segunda-feira, dezembro 27, 2004

“A Secretária” – Parte II

Não gostei particularmente do filme, confesso...
Não gostei por aí além do argumento nem tão pouco da realização... Considerei a interpretação irrepreensível, bem como a fotografia do filme e a banda sonora! No todo, um bom filme, mas não excepcional...
Quando relacionado com o pouco que conheço do universo do BDSM nacional, sou obrigada a concordar que poucos se identificarão – subs e/ou Doms – já que as personagens são apresentadas quase caricatamente, muito imperfeitas, muito à procura! Assim como o espectador, que não sabe bem o que procurar nas sombras das imagens (que aqui valem mais do que os diálogos minimalistas)... nos silêncios visuais que enchem o ecrã a espaços propositados.
Inseridos dois elementos fundamentais da prática do BDSM (sub e Dom) num cenário banalissímo do quotidiano, que resta dizer, que mensagem sobra? Cada um tirou a sua conclusão, mas a minha não se fica pelo aparente... e traz à boca de cena um terceiro parceiro subentendido - o switcher, o que troca de papeis e ora domina ora é dominado!
A minha leitura do filme é essa – quem domina e quem é dominado ali? A submissa Lee começa por ser a personificação da anulação até descobrir o que quer, enquanto o advogado Edward pensa saber o que tem até assumir o que é. Depois, o céu é o limite... Lee domina-o ao ponto de o fazer revelar-se, enquanto ele a solta ao ponto de ela o querer dominar conseguindo-o só para si pelo casamento. Magnífica inversão de papeis e fantástico volt-face num mundo onde todos parecem querer pôr tudo a preto e branco, como bom ou mau, sendo dominador ou dominado...
E com mais ou menos dôr, menos ou mais submissão, não é exactamente isso que se passa numa relação dita “baunilha”? Quem domina e quem é dominado? Porque é preciso haver quem mande e quem cumpra, sempre. Os propósitos são diferentes? Claro que são, mas não tão antagónicos... Afinal de contas, todos fazemos o melhor que sabemos... porque o espectáculo tem de continuar!

ML

sábado, dezembro 25, 2004

"A Secretária"

Acabei de ver o filme "A Secretária"...
Lembrei-me de "Eduardo Mãos-de-Tesoura", "Beleza Americana", "Assasinos Natos" e "Laranja Mecânica" - em comum, os anti-heróis!
Ontem, véspera de Natal, ouvi em silêncio uma discussão entre dois amigos meus sobre a legitimidade de Viriato ser ou não um herói português, ou sequer herói...
Na verdade, tudo isto, em comum, tem apenas o conceito de anti-herói, apesar de todos eles apenas quererem ser, à sua maneira e como conseguem e lhes deixam, diferentes, lembrados, especiais... E não é disso que os heróis são feitos?
E no BDSM, tudo não se resume apenas a querer ser especial?
Senão vejamos... o Dominador quer ser visto como o tal pela submissa, esta por sua vez quer ser a tal para o Dominador, enquanto ambos querem ser heróis nem que por umas horas, uns dias, uma eternidade - numa fantasia de dádiva e cumplicidade exigentes!!!
Se não se trata de heroísmo, então de que trata o BDSM? De exageros punitivos com vista à dôr per si? Não me parece, ainda que haja quem o defenda, talvez com medo das verdadeiras razões de se expôr ao diferente, para muitos ao ridículo! Mesmo quem se acha completamente liberto, livre de rótulos e receptivo a julgamentos ditos sociais, muitas vezes apenas se engana a si mesmo.
Todos sabemos que as minorias se mantêm minorias enquanto ghettos fechados, a sobreviverem em redomas de secretismo e falsos rótulos, a auto-esconderem-se em definições que contornam os problemas; e aqui, por problemas leia-se enfrentar críticas e assumir atitudes...
Não é à toa que grande percentagem de Dominadores ditos "assumidos" só aparece de viva voz na esfera do bondage/sado-maso depois de os ditos terem as suas bases pessoais e familiares alicerçadas, por outras palavras - grande percentagem de Dominadores (e não só) são casados, pais de filhos, com um "estável" equilíbrio social e rendimento financeiro assegurados, antes de espreitarem da toca da segurança. Até lá, nem são heróis nem anti-heróis - apenas são gente... e nem sempre chega!
O que afirmo é polémico e controverso, mas não deixa de ser real. Do meu cantinho de submissa, vejo padrões, principalmente no que toca a Dominação (refiro-me principalmente à masculina, por ausência de dados efectivos quanto à feminina) - regra geral, os chamados "verdadeiros Doms" estão na faixa dos 35/50, casados, profissionalmente bem-estabelecidos, financeiramente garantidos e a usarem um qualquer disfarce que geralmente implica uma barba fácil de remover em caso de necessidade! A fuga é sempre possível...
Mas quando ser Dom ou submisso se torna uma "necessidade básica", aí nascem os verdadeiros heróis - porque não usam rede sob eles, a queda será sempre bem do alto. E pior do que isso, muitas vezes são os seus pares quem lhes tiram a rede de segurança, porque a competição com "genuínos" Dominadores e submissos nem sempre é leal. Flores de plástico e verdadeiras não são rigorosamente semelhantes, embora sejam possíveis boas imitações...
"Podes fugir, mas não te podes esconder!" é o mote!
Heróis e anti-heróis coexistem, mas nem todos queremos fugir...
No entretanto, ultrapassar os limites para atingir um equilíbrio é a única maneira de ser feliz! O espelho reflecte o brilho no olhar...

ML

sexta-feira, dezembro 24, 2004

Natal é quando um Homem quiser!!!!

Sei que é uma frase batida, mas é verdadeira e merece alguma atenção....!
O melhor Natal possível para todos os que se dignam a ler o que escrevo e a tentar perceber o que sinto nesta efémera passagem pelo Mundo!
Saber que alguém se interessa pelo que outrem tem a dizer é uma forma de fazer o Natal em quem se quer dar. A entrega é total e diária e isso é uma forma de fazer qualquer dia da nossa vida mais feliz...
Na verdade, a entrega é o que faz de nós especiais, e foi exactamente o que acabei de fazer agora...
Dei um pouco mais de mim e espero que sorriam!!!!
Por mim, recebo sempre tudo o que posso!...
...Boas Festas...

ML

segunda-feira, dezembro 20, 2004

As mãos mais macias que já beijei!

Há meses que gostaria de ter escrito aqui o que agora vai nascer e crescer nas entrelinhas... Mas quando as coisas são importantes, muito importantes, corre-se o risco de ficar aquém, e assim sendo nem me arriscava a começar.
Neste momento tenho a certeza do que vou escrever porque é o que sinto, logo nem hesito...

Conheço as mãos mais macias do Mundo!
As tais que sulcavam estradas no meu traseiro e costas, eram seres vivos que depois me afagavam a cara para logo me castigarem com uma bofetada, se necessário... Macias como veludo, tão calmas como os olhos pequenos semicerrados, grandes como o que me davam – uma certa justiça!
O maior segredo do Mundo é o equilíbrio – dosear os opostos para que se toquem na linha do horizonte.
As mãos conseguem esse milagre, e estas mãos - as mais macias do Mundo - recriavam o horizonte nos meus olhos sempre que aplicavam a ternura e a recompensa, ou a fúria do castigo.
Há mãos que nunca se esquecem e estas deixaram marcas indeléveis, num toque suave de bebé recêm-nascido, num cheiro agradável de quem sente muito prazer em gerar vida através delas, passando ao outro a sensação de ser privilegiado.
Mãos gulosas, mãos ávidas de reter num momento breve as sensações que causavam, de o eternizar num movimento aparentemente inconsequente mas forte na sua raíz.
Estas mãos de que falo, abriram caminho numa selva de insensibilidade. Causaram sensações que foram únicas e encolheram-se na hora da despedida, com todo o direito de quem cumpriu um dever... Estas mãos reinventaram-me!
Venero essas mãos como entendidades vivas que me acolheram no altar da distinção. Faço-lhes reverência como se dependesse delas o meu futuro. Levo-as comigo para todo o lado, porque um toque é único e cabe no coração. Sinto-lhes a falta. Porque sim...

ML

domingo, dezembro 12, 2004


Fotografia


A cor fugiu e deu lugar ao silêncio.
Penumbras e brancos refugiaram-se.
Gente encolheu-se com medo,
assustadas as pessoas...
O cheiro chegou e ficou.
Era cinzento.
Espalmado sobre o espelho,
qual negativo de uma fotografia...
impresso como o dia,
rasteiro, a crescer.

A manhã foi andando devagar,
subindo um rio sem caudal,
eterno e manso...
como telhados arrepiados por frios
de Outonos gélidos.
Paisagem de sonho.
Onde corações palpitam às lareiras,
onde sonhos se encavalitam nos olhos estreitados,
onde o fim começa sem princípio.

Olhamos e deixamos de ser.
Queremos e não temos.
Crescemos e morremos.
Entra-nos pelos olhos a vida
e não há nada a fazer.
Viver!!

ML

domingo, dezembro 05, 2004

Les Chansons de Bilitis

“(…)
Quando sentiu que já só a retinham em Mitilene dolorosas lembranças, Bilitis empreendeu uma segunda viagem, dirigiu-se a Chipre, ilha grega e fenícia como a própria Panfília, que deve ter-lhe recordado com frequência o aspecto da sua região natal. Foi ali que Bilitis, pela terceira vez, recomeçou a sua vida, e agora duma forma que me será mais difícil fazer admitir sem lembrar, mais uma vez, a que ponto o amor era coisa santa no seio dos povos da Antiguidade.
As cortesãs de Amatunte não eram, como são as nossas, criaturas em decadência, exiladas de toda a sociedade mundana; eram jovens provindas das melhores famílias da cidade. Afrodite fizera com que fossem belas, e elas, por seu turno, agradeciam à deusa, consagrando ao serviço do culto a sua beleza reconhecida. Todas as cidades, como as de Chipre, que possuíam um templo rico em cortesãs, tinham para com estas mulheres os mesmos cuidados respeitosos.
A incomparável história de Frineia, tal como Ateneu no-la transmitiu, poderá dar uma ideia dessa veneração. Não é verdade que Hipérides tenha precisado de a pôr nua, a fim de aplacar o Aerópago, e no entanto era grande o crime: ela fora culpada de assassínio. O orador apenas rasgou a parte de cima da túnica de Frineia, pondo-lhe à mostra os seios. E suplicou aos juízes “que não matassem a sacerdotisa e a inspirada de Afrodite”. Contrariamente às outras cortesãs, que saíam vestidas de cíclades transparentes através das quais se revelavam todos os pormenores dos seus corpos, Frineia tinha o costume de até o cabelo envolver num desses grandes vestidos pregueados de que as figurinhas de Tânagre conservaram a graça. Ninguém, não sendo os seus amigos, vira os seus braços ou os seus ombros, e nunca ela aparecia na piscina dos banhos públicos. Mas um dia deu-se uma coisa extraordinária. Era o dia dos festejos de Eleusis; vinte mil pessoas, vindas de todas as regiões da Grécia, encontravam-se reunidas na praia, quando a certa altura Frineia avançou para junto das ondas; despiu-se, desfez a cinta, retirando até a túnica interior, “desenrolou todos os cabelos e entrou no mar”. E nesta multidão estava Praxíteles, o qual, com base nessa deusa viva, desenhou a Afrodite de Cnido.”



"As Canções de Bilitis/ Bucólicas em Panfília"
Pierre Louÿs (1894)

Recentemente, tive uma experiência religiosa!
Há muito tempo que não entro numa igreja ou num local dito religioso, por nunca estar deserto o suficiente para expôr a alma à minha descoberta do Mundo e dos seus mistérios...
Uma espécie de solidão necessária ajuda-me a crescer, e o ar fresco e límpido dos locais de oração, transportam-me quase sempre numa nuvem de elevação a um outro estado de transcendência. Desde que essas condições se tornaram quase inexistentes nas igrejas, deixei de lá ir... mas, às vezes, muito poucas vezes, sou arrastada em ondas de uma qualquer coisa sem nome que me transportam no éter, até dentro de mim...
Recentemente, tive uma dessas experiências a que chamo religiosas!
Num jantar de praticantes de BDSM, entre conhecidos e menos conhecidos, amigos e mais amigos, dei comigo a sentir-me planar num claustro da Idade Média. Demorei duas semanas a degustar a sensação, porque as sensações se instalam devagarinho, embora não pareça...
E descobri então que rezar é um mistério da alma e às vezes somos rezados! Eu fui rezada nesse jantar, porque não procurei, fui encontrada...
Vinte pessoas conversavam entre elas, de copo na mão. Baixaram-se as luzes e gradualmente as almas ganharam espaço! Acenderam-se velas e o ar engrossou, adensou-se...
As pessoas juntaram-se aos cantos. E um Dom, uma submissa e um submisso quiseram ofertar as suas dádivas! O Dom derramou cera quente em silêncio e depois retirou-a a pancadas certeiras de chicote, não só dos seios da sua submissa como nas costas do agora iniciado submisso...
Seria mais um acto normal e esperado num jantar de praticantes de BDSM, se não se desse a transformação!
As pessoas baixaram gradualmente as vozes, as conversas morreram, alguns deslocaram-se em passinhos tímidos para o canto da sala, e as sombras das velas interagiam com o que cada um estava a sentir. Do meu canto, olhava a parede, com grandes e ameaçadores fantasmas negros a agitarem-se na entrega, e senti que todos estávamos em respeito, a absorver um momento de grande intensidade...
Pessoalmente, vi-me no homem do chicote e na submissa de seios descobertos, até no submisso de costas nuas, encorpado e estóico, dobrado sobre um sofá!
Mas a experiência religiosa começava no silêncio – eu era rezada, orada, naquele momento único de entrega geral.... e senti-me sugada por algo maior para o vórtice daquele turbilhão de sensações. Eu era olhos abertos, mãos crispadas, coração em sobressalto, e uma paz indescritível de quem não quer que acabe!
Rezei-me como pude, mas demorei a perceber.
Por vezes ser orada é o que há de mais parecido com um orgasmo, onde se cresce, vive e morre num segundo...


ML

DÁDIVA!!!

“Na capela abobadada das tuas mãos, ergo uma oração aos homens de boa-vontade!...”

segunda-feira, novembro 29, 2004

A mulher rendida!

Nem olhava...
A mulher dentro do corpo ficava ali,
Braços caidos, cabeça pendente
A olhar
Nua
A esperar...

Viajava,
Entre partidas e chegadas,
Inocente na sua demência dum vôo rasante
Por um qualquer telhado...

A mulher enclausurada
Que descia do céu,
Todas as vezes que respirava fundo
Encolhia-se ao medo,
E espreguiçava-se
Numa onda de volúpia
Sempre que fechava os olhos!

Num qualquer beco sem saida
Rendia-se,
E ficava solitariamente acompanhada
À espera de novo sol
Ou
que uma qualquer asa de pássaro livre a libertasse.
A mulher, rendida, nua, de braços caídos e cabeça pendente!


ML

O que é o Amor?

“Neste momento, ergueu os olhos que conservava baixos para as papoilas e reparou que Sir Stephen fixava os seus lábios. Escutá-la-ia ou só estaria atento ao som da sua voz, ao movimento dos seus lábios? Calou-se bruscamente e o olhar de Sir Stephen subiu e cruzou o seu próprio olhar. O que leu nele desta vez era claro, e tão claro para ele o que ela tinha lido, que foi a sua vez de empalidecer. Se ele a amava, perdoá-la-ia por ter percebido? Ela não podia afastar os olhos, nem sorrir, nem falar.
Se ele a amava, o que teria mudado? Poderia ser ameaçada de morte que permanecia igualmente incapaz de um gesto, incapaz de fugir, os joelhos não lhe teriam obedecido. Sem dúvida, ele não quereria nada mais do que submissão, ou o seu desejo, que, desde o dia em que René a entregara, bastava para explicar que ele a reclamasse e a retivesse cada vez mais, algumas vezes só pela presença, sem nada lhe pedir.(...)
Sir Stephen começou por lembrar que, na primeira noite em que ela fora a sua casa, lhe dera uma ordem à qual não obedecera, e observou que, embora a houvesse esbofeteado, não renovara depois a ordem. Conceder-lhe-ia no futuro o que lhe tinha recusado? O compreendeu que era necessário não só aquiescer, mas que ele queria ouvir da sua boca, em termos apropriados, que sim, que ela se acariciaria todas as vezes que lhe pedisse. Ela disse-o, e tornou a ver o salão amarelo-cinza, a partida de René, a sua revolta da primeira noite, o fogo que brilhava entre os seus joelhos separados quando se deitara nua no tapete...”

In “História de O”
Pauline Réage

sexta-feira, novembro 26, 2004

A Homossolidão

“A maioria dos estudiosos de Sociologia concorda que, para as sociedades em geral, a realidade é aquilo que que o senso comum, o consenso, diz que é. Assim, quando alguém ousa pensar ou sentir de forma diferente daquela que a sua sociedade considera “a realidade”, passa a sentir a ansiedade do isolamento, e daí resulta o medo e as suas consequências. Etric Fromm, diz que no âmbito não-biológico, mas psicossocial, não é o medo da morte que constitui a grande sombra, mas sim o medo da loucura.”

In “Solidão Nunca Mais” (2003)
Roberto Bo Goldkorn

segunda-feira, novembro 22, 2004

"No sentido macropsicológico, a homossexualidade é narcisista e, portanto,alimenta a solidão fundamental.Por mais avançada que esteja a nossa sociedade, montanhas de tabus e preconceitos ainda pesam sobre quem escolheu amar o mesmo sexo. Como é possivel ser-se feliz remando contra a corrente social?"


domingo, novembro 21, 2004

Momentos que nem momentos são!

Às vezes, o Tempo pára... e tudo parece mudar de lugar!
Fazem-se quilómetros, muda-se de sítio, muda-se de pele, e tudo permanece igual...
Às vezes, é muito difícil saber o que se anda a fazer, outras vezes não! Decidir doi, porque um erro muda tudo...
Odeio arrepender-me, odeio a sensação azeda do arrependimento, do perder das causas perdidas. As contradições alimentam a alma mas esvaziam o coração, e ele é tão grande e tão mal atafulhado de coisas supérfulas que acabamos por não saber o que meter lá! O que cabe lá...
Às vezes, a vida é outra, e fingimos o que não somos... às vezes, que outras não.
Muitas vezes, nada parece fazer sentido! Outras vezes, ficamos de mãos vazias, mas crispadas, porque nos roubam o que não chegamos a ter! Demasiadas vezes, nem temos força para cerrar os punhos, e ficamos ali, de braços caídos, qual árvore à espera do corte antes do Outono...
E há momentos em que nem sequer esperamos! Há momentos que nem momentos são... Há....

ML

segunda-feira, novembro 08, 2004

Diferente, uma coisa preciosa…

“(...) Só na sexualidade é que o milionésimo de diferente aparece como uma coisa preciosa, porque não é publicamente acessível e tem de ser conquistado. Ainda há meio século, este tipo de conquista exigia que se lhe dedicasse muito tempo (várias semanas e, às vezes, alguns meses) e o valor do objecto conquistado era proporcional ao tempo consagrado à sua conquista. Mesmo nos dias que correm, embora o tempo da conquista tenha diminuído consideravelmente, a sexualidade é para nós como que o cofrezinho das jóias onde se encontra guardado o mistério do eu feminino.
Não era, portanto, de forma nenhuma, o desejo da volúpia (a volúpia aparecia por assim dizer como brinde), mas o desejo de se apoderar do mundo (de abrir com o bisturi o corpo jazente do mundo) que o fazia andar atras das mulheres.”

In “A Insustentável Leveza do Ser” (1983)
Milan Kundera


segunda-feira, novembro 01, 2004

“Vê se consegues convencêr-me!...”

“(...) Para colher informações acerca de um homem, a mulher precisa de o sujeitar a vários testes. Dependendo da forma como ele responde, quando comparado com outros candidatos disponíveis, ela poderá aceitá-lo ou rejeitá-lo. A mulher precisa de encontrar testes que constituam um desafio, mas que não sejam impossíveis de realizar. Perderão o valor, se forem ou demasiado fáceis, ou tão difícieis que homem algum os consiga resolver. O corpo da mulher e o seu comportamento foram moldados para funcionarem como teste. E, muitas vezes, ao testar as qualidades do homem, o que ela está realmente a testar é a capacidade dele para aprender a usar o seu corpo e a cooperar com ela. Aprender é sempre uma tarefa difícil quando a um dado comportamento não corresponde sempre a mesma resposta. A resposta da mulher a qualquer estímulo masculino é notoriamente imprevisível. Isto é verdade para os primeiros momentos de aproximação que precedem o orgasmo durante o coito. Não só existem diferenças de mulher para mulher (por razoes plausiveis), como existem diferenças individuais de ocasião para ocasião (também por razoes plausiveis) (...)

(...)O sexo grosseiro e violento é um elemento comum do “namoro” quer dos homens, quer dos animais, quando decidem fazer ou não sexo. Tal comportamento tem muitas facetas, e todas implicam um intermezzo entre a selecção de machos pela fêmea e a exibição de atributos pelos machos. As fêmeas fazem aos machos testes de força física e de competência sexual que os homens conseguem ou não ultrapassar. No evoluir do processo reprodutivo, o uso do sexo grosseiro e violento pode trazer benefícios para a mulher – e o desempenho satisfatório pode igualmente favorecer o homem.
A maior parte das vezes, estes jogos de grosseria e violência acontecem sem qualquer dano para os dois parceiros: a mulher obtém a informação que deseja e o homem, se o seu desempenho for satisfatório, pode conseguir uma relação sexual. Porém, ocasionalmente, tais jogos podem ser perigosos. Dos jogos de grosseria e violência com consentimento mútuo até à violação, vai um pequeno passo. De facto, quando um homem força uma mulher a ter relações sexuais com ele, e ela o acha quando muito, interessante para beijar ou lhe permitir certas intimidades, é quase uma violação. Embora não a violação predatória, fortuita... Em princípio parece fácil estabelecer um limite claro entre o acto sexual grosseiro e violento e a violação feita por um conhecido. Se a mulher diz “não” e de qualquer modo o homem a força, nesse caso é violação. No entanto, como vemos pelo tratamento do problema pelas legislações mundiais, não é assim tão simples.Um dos muitos problemas consiste em que, sob muitos aspectos da vida, as pessoas dizem “não”, quando na realidade querem dizer “Vê se consegues convencer-me!” (...)”

In “As Guerras do Esperma” (1996)
Robin Baker

quinta-feira, outubro 28, 2004

IMAGENS

Restam a raiva
E o medo cego
De não conseguir
...um grito num túnel
...uma qualquer asa a tocar um telhado,
...talvez.

Restam a cegueira
e a surdez
de não querer ver
...um balão de côr
...um sino a badalar numa torre de igreja.

Resta a confusão
...a angústia de não saber,
de não restar mais nada
...senão um poente amarelo!

Fica então a gargalhada,
Que estala
Como um chicote na mão do domador,
Um soluço imenso
Amarrado ao nó atado na garganta;
A dôr!

Fica ainda uma ferida muito aberta nos olhos,
Alfinetes espetados um a um.
A cólera de não poder correr.
Ficar então..
...não fugir p´ra lado algum.

Depois...
Há o combóio a trepidar,
Há os sonhos como colar de pérolas,
Há a tal raiva
E a tal cegueira
E o tal ver.

Depois...
Uma surpresa guardada num baú fechado à chave.
Uma revelação
Indiferente.
Um som, um cheiro, um olhar magoado.
A sombra
Que paira na curta vida da gente!

E sinto ainda tua voz,
Aninhada na conhcha do teu sentir
Inundando a volúpia e o desejo,
Querendo ser ave imensa...
Apenas para fugir...

E como treme ainda o meu silêncio,
Como berro, alta a tua imagem,
Como queria ser neve e sou o vento;
Oh, lamento eterno
Efémera viagem!

Passou enfim a ameaça
Meu amor,
E nada ficou para durar;
Nada quis ser pedra,
Tudo foi lama,
dinastia perene dum qualquer rumor.

Vai então,
Não demores o olhar.
Vai então,
Não hesites no caminho.
Vai então,
Porque eu só posso ficar!


ML

domingo, outubro 24, 2004

“Xi, Toto, acho que já não estamos no Kansas!”

“Por aqui, sigam-me a descer a escada. Cuidado onde põem os pés e segurem bem alto a vossa tocha... isso. Devia ter-vos dito para trazerem uma camisola, pode ficar bem frio lá em baixo. Não deixem que os ruídos vos distraiam, as paredes de pedra distorcem tudo. Bem, sim, daqui ouve-se algo parecido com um grito. Por favor ignorem-no, não tem nada a ver convosco. Deixem-me falar-vos um pouco daquilo que fazemos aqui.
Os habitantes e visitantes do mundo do Sadomasoquismo são facilmente confundidos com gente intimidada e confusa como aquela em quem a Dorothy tropeçou em Oz. A sua viagem pela Estrada de Tijolo Amarelo ensinou-a que as pessoas têm as mesmas necessidades e sentimentos estejam onde estiverem. Mesmo o magnífico e aterrorizante Feiticeiro de Oz revelou ser não mais do que um simpático velhote com um gosto particular por efeitos especiais.
Os Sadomasoquistas são um pouco como o Feiticeiro. Nós gostamos de projectar imagens aterradoras e de activar brinquedos estranhos, mas quando nos atiram para o caldeirão e nos cozinham, descobrem que somos apenas gente simples que tem um caso de amor com a fantasia. O SM pode não ser certo para toda a gente, assim como a sexualidade humana pode ser expressa em muitas nuances. Acreditamos que nenhuma forma de sexualidade que alimenta o espírito é menos legítima do que qualquer outra. Quer se viva numa Cidade Esmeralda ou se debata numa masmorra, não há sítio como a nossa casa.
Aqui estamos, e eis as nossas celas aprisionadoras. Sentem-se naquela laje. Agora vou deixar-vos nas mãos cpazes dos nossos anfitriãos. Divirtam-se! Oh, não estejam tão nervosos, cuidaremos bem de vocês... e do vosso cãozinho também!”

“Screw the Roses, Send Me the Thorns – The romance and sexual sorcery of Sadomasochism” (1995)

Philip Miller, Molly Devon

quarta-feira, outubro 20, 2004

MAIO

…E quando o tempo passa e os jovens se encolhem, dá-se algo parecido com um furacão e o mar revolta-se contra o Mundo. Chama-se estupidez ou talvez cupidez – se não se chamar outra coisa qualquer. As mulheres perdidas nas transversais do Mundo são piores que os homens perdidos nos cruzamentos da Vida: quando se encontram, há cabeças que rolam para o Paraíso e o céu deixa de ser céu e dá lugar a um qualquer ancoradouro do Diabo.
Outras vezes são as crianças que choram e nem sabem porquê; sentem apenas alívio no vazio ocupado pelas lágrimas pequeninas de crianças grandes como monumentos. Há um assassino na estrada e viajantes na tempestade, dizia ele, um outro poeta suicidado num dia do Tempo.
Há um homem fugido para dentro de si, para dentro das suas entranhas, para dentro de qualquer coisa em si que o defende – pensa ele – dos males do Mundo em redor. E depois há bêbedos, e sóbrios, e inúmeros cadáveres que cheiram mal quando a lua os destapa: o cheiro dos que não têm outro cheiro! E o tal homem enfia a cabeça na areia e finge nada se passar, apenas porque um dia, para ele, o Mundo deixou de girar no seu eixo e ele sentiu-se só! Agarrou-se às grades e passou para fora as mãos, mas a alma, essa, ficou agarrada ao tempo que lá deixou e nunca mais viu de novo. No único dia da sua vida em que teve saudades, chorou baixinho, como as crianças grandes com medo das sombras. Um ursinho brinca com uma almofada e ela cai-lhe entre os dedos... sem ele nada poder fazer ou até dizer....

ML

domingo, outubro 10, 2004

Quando é que vale a pena...?

...Nunca disse a ninguém que percebia muito de Bondage ou BDSM... Nunca passei a ideia de ter a certeza que os seres humanos se comportam inevitavelmente nesta ou naquela situação, sob determinadas condicionantes... Na verdade, acho que cada caso é um caso, mas na prática de BDSM esta premissa é ainda mais verdadeira!

“Hoje estou muito triste!
A tristeza instalou-se ontem, na verdade...
Sou uma submissa iniciada recentemente na prática da Bdsm. Não gosto de nada muito extremo, sou muito soft, e humilhação é a minha preferência! Uma mulher sózinha, e submissa, a navegar numa internet de gaviõe
s sedutores é sempre um atractivo, e eu não fugi à regra.
Entre muitas pretensões a Dominadores, há algum tempo reconheci numa multidão um DOM que se revelou ser o tal, no sentido de eu ter considerado a hipótese de se me sujeitar a ele em absoluto, em regime de exclusividade. De me deixar “encoleirar”, ganhar uma trela e um Dono... Esse é o objectivo de qualquer submisso neste reino de mandar e obedecer, mais cedo ou mais tarde.
Comigo é tudo mais tarde! Tenho uma passada curta no que toca a decisoes, e porque não gosto de me arrepender, hesito imenso. Aqui foi assim também.
No entanto, uma decisão mal tomada, no calor da circunstancia, acabou com o meu desejo de me sujeitar à coleira do meu tal Dono especial. Ele rejeitou-me por eu ter tomado uma atitude que nem o abrangia sequer. Não satisfeito, arrasou-me com tudo o que se lembrou, fez-me sentir coisas que ninguem tem o direito de fazer o outro sentir! E baniu-me, escorraçou-me, correu comigo.
Nunca chegou a saber a minha decisão quanto a usar a sua coleira... nem quis saber. No fim, desejou-me que tudo me corresse bem! Eu retribuí. Adeus!

E dói muito a não-verdade das conclusões que ele tirou. Dói mais que cem vergastadas nunca ter acreditado em mim, concluindo que afinal o andei a gozar... É uma chaga aberta saber que jamais me vai querer a servi-lo... Tenho vergões na alma por saber que não o vou voltar a ver.
Nunca lhe chamei o meu Dono, mas era assim que o recebia, que me entregava a ele, e que o sentia em cada festa depois da dôr. Sabia que podia contar com ele!
Quando a minha decisão foi mal tomada e deu lugar ao erro, ele não estava lá, eu estava sozinha, e tudo se encaixou como se tivesse de ser... E ele não me perdoa! Aceito mais uma vez, mas agora sem que ele me veja os olhos, me acaricie as costas, me dobre à sua frente!
Quando é que um Dom deixa de o ser?
Quando julga sem saber o que se passou, porque não viveu o que aconteceu? Quando a submissa o procura para lhe contar o sucedido, esperando a sua compreensão? Quando sai da vida da submissa no momento em que finalmente ela o confirma como Dono, ao pedir-lhe um ombro? Quando se esquece que uma submissa também erra? Quando se esquece de perdoar? Quando aplica a sentença como se de um bullwhip se tratasse? Quando se esquece de se imaginar na situação inversa?
E se a submissa o tivesse de desculpar? Se ele falhasse uma e outra vez, e ela o desculpasse sempre? Se ela pensasse nele apenas como um ser igual com mais poder? Se ela o quisesse perto, a dominá-la, por não conseguir estar longe dele?
Quando é que uma submissa deixa de o ser?
Como se apagam as coisas boas que sentimos e a unica má se enraíza como uma erva daninha?

Como se diz adeus a quem se quer perto?”



terça-feira, outubro 05, 2004

A arte da submissão…

“(...) O vencido tem de dar a entender ao animal mais forte que deixou de constituir uma ameaça e que não tenciona prosseguir a luta. Se o animal se bate até ficar muito ferido ou fisicamente exausto, o animal mais forte afastar-se-á, deixando-o em paz.Mas, se o vencido puder mostrar que aceita a derrota antes de a situação se tornar extremamemnte infeliz, poderá evitar que a punição vá mais longe. Isto consegue-se através de certas manifestações características de submissão, que apaziguam o atacante, lhe reduzem rapidamente a agressividade, e aceleream o ajuste da discórdia. Estas manifestações de submissão actuam de várias maneiras. Basicamente, ou extinguem os sinais que têm estado a desencadear a agressão, ou estimulam sinais não agressivos. A primeira categoria de sinais serve apenas para acalmar o animal dominante, enquanto a segunda contribui para mudar activamente a sua disposição. A forma mais tosca de submissão é a inactividade completa. Como a agressão implica movimento violento, uma posição estática permite automaticamente interrupção da agressividade. Isto acompanha-se muitas vezes de encolhimento e agachamento. Como a agressão comporta expansão do corpo até atingir as dimensões máximas, o encolhimento produz exactamente o contrário e actua como sinal de apaziguamento. Outro gesto valioso é o virar costas ao atacante, visto tratar-se da posição oposta ao ataque frontal. Há ainda várias outras formas opostas à ameaça. Se determinada espécie ameaça baixando a cabeça, neste caso a elevação da cabeça significa sinal de apaziguamento. Se o atacante eriça os pêlos, o baixar deste serve para manifestar submissão. Nalguns casos raros, o vencido aceitará a derrota expondo ao atacante uma área vulnerável. (...)
A segunda categoria de sinais de apaziguamento actua como dispositivo de remotivação. O subordinado emite sinais que estimulam respostas não agressivas e que, agindo no interior do atacante, suprimem o respectivo instinto lutador. Há tres formas de o conseguir: 1) adopção da atitude juvenil de suplicar comida – os mais fracos agacham-se e suplicam ao dominante, assumindo a posição infantil característica de cada espécie(...) 2) o animal mais fraco adopta uma posição sexual feminina – independentemente do sexo ou da disposição sexual, o vencido pode subitamente oferecer o traseiro, tal como as fêmeas fazem – na circunstância, o macho ou fêmea dominante cavalgará o macho ou a fêmea submissa, inciando uma pseudocópula 3) a terceira forma de remotivação implica estimulação de prestação mútua de serviços, tão comum no mundo animal(...) – passado pouco tempo, o dominante fica tão embalado com o jogo, que o mais fraco pode afastar-se são e salvo...”

In “O Macaco Nú”
Desmond Morris (1967)






sexta-feira, setembro 24, 2004

...Um Egoísmo Altruísta...

“Nem sempre é fácil...
Quase nunca é fácil uma qualquer espécie de libertação, de exorcismo de uma qualquer coisa... Raramente é inócua a ideia de não ter um preço, qualquer que seja o motivo do ritual de liberdade... Geralmente é inconsciente e inocente, sem deixar marcas!
Contigo voltou a ultrapassar tudo isso! Habituas-me a gostar de ser levada ao limite com o mesmo à-vontade com que me passeio à beira-mar numa tarde de Inverno. Sem destino e sem saber porque estou ali, mas certa que tenho de estar, desejando que não chova muito, mas que alguns pingos salpiquem a massa verde de água viva.
Uma passeata aparentemente inconsequente, mas que me dá animo e força de continuar a saber até onde a estrada vai.
Desta vez voltou a ser assim...
De novo um quarto de hotel. Novamente uma excitação com cheiro, no ar. Mais uma vez uma incerteza que coroava as causas... O desconhecido e o incerto – uma combinação explosiva.
E assim foi sendo, entre os meus gemidos e os teus sorrisos. Eu a ser manuseada, explorada, humilhada, torturada numa espiral de desejos e vontades de um Dom que quer sempre mais. Ele a dedicar-se a ser a borboleta da teoria do Caos, a mudar a minha vida, a dar-lhe o picante que quebra a rotina monótona dos dias insípidos... A tornar-me noutra pessoa!
Amarrou-me, falou-me ao ouvido a chamar-me puta e submissa, tocou-me onde lhe apeteceu, e sempre a fazer-me querer mais. Qualquer coisa muito perto de um milagre, num mundo de raciocínio, lógica e bom-senso...
Pôs-me uma canga às costas, amarrou-me os pulsos e o pescoço a ela, deitou-me de barriga para cima na cama e atou-me as pernas muito abertas aos pés da cama.
“Neste momento o teu corpo é meu!”
Uma verdade mais num momento de intensidade – uma inexpugnável realidade que me fez tremer por dentro, pertencer, ser a coisa dele....
Antes tinha-me castigado – não lhe pedi autorização para me vir, prisioneira de uma excitação providencial por ele provocada. Aplicou-me uma pena pesada – vinte e cinco xibatadas! Mas o pior foi mandar-me contá-las de viva voz, lentamente, em cadência.... Péssimo foi agradecê-las... Terrivel foi implorar a próxima e a outra e a outra, de pé, dobrada sobre mim, a oferecer-lhe o traseiro que ficava avermelhado de calor e de dôr. Prazenteiramente, sentia-lhe a satisfação em cada vergastada aplicada com zelo, com método, com vontade... É esse o momento da verdade – quando sentimos que damos
prazer a quem nos tenta dar prazer. Um egoísmo altruísta, se isso existe!
E as horas passaram sem se mostrarem, e os limites cediam a duas vontades expressas e tudo é normal porque há o acordo das partes e o objectivo de uma libertação anunciada.
Mas nem sempre é assim. Comigo nem sempre foi assim!
A entrega não é a da pele ou dos sentidos, a entrega é da vontade, em nome de uma verdade maior, mais vasta, mais enorme e gigantesca, uma onda. Depois o orgasmo vem de mansinho e coroa a realidade presencial, bate palmas ao prazer que sempre lá esteve mas não tinha condutas por onde se libertar!
No fim, o cansaço e o correr dos cortinados e o descobrir de outra realidade, mais contida, mais limitada, mais socialmente correcta. Ficaram os momentos, as horas, os olhos cheios de pasmo e o prazer tatuado em vergões. E o desejo de voltar a ser livre... Um palpitar de energia que se chama prazer!”

Uma submissa realizada


sábado, agosto 28, 2004

"O Reino da Masturbação"

<< A austera liberdade que ela descobrira na masturbação eliminou todo o desejo de relações sexuais com outras pessoas. Estava livre numa estranha prisão, uma prisão onde lhe era permitido fazer, ou dizer, ou sentir tudo o que quisesse em qualquer altura que o impulso a movesse, mas sob uma condição: permanecer sozinha.
Que ela tinha andado a gravitar em torno deste estado durante toda a sua vida adulta era algo que podia ser visto somente em retrospectiva. Nos dez anos que se seguiram à perda da virgindade, aos dezassete anos, entrou numa promiscuidade de tal modo desmedida que parecia que ela nunca conseguiria obter o suficiente das pessoas. Era-lhe impossível lembrar-se de quantos homens, mulheres, crianças, animais e dildos tinham estado dentro dela, de quantos galões de esperma absorvera, de que perversas acções ela não experimentou ou proporcionou. Então, numa bela noite, enquanto estava deitada num tapete roubado, contorcendo-se diante de uma lareira crepitante, o seu corpo num mar revolto de sombras vermelhas, os seus dedos acariciando a sua cona, depois de horas de ser fodida, chicoteada, mijada, humilhada, uma qualquer corda delicada quebrou-se dentro de si, e ela abriu os olhos para se interrogar sobre o porque de estar ali a gastar tanta da sua energia naquilo que subitamente lhe veio a parecer um melodrama sem sentido. Com uma honestidade implacável ela separou a realidade das aparencias que a camulflaram e fez a si propria a única pergunta importante que tem alguma validade no eino do erotismo: porque envolver os outros, afinal de contas?
Isolou-se para meditar na resposta e chegou a uma conclusão surpreendente. "Os outros apenas proporcionam energia adicional para aumentar o âmbito e a intensidade do orgasmo" raciocinou ela "quer juntando o próprio acto de foder, quer observando, quer ainda fornecendo quantidades em momentos cruciais sob a forma de palmadas, carícias ou palavras". Ela aperecebeu-se de outras funções, tais como proporcionar companhia, apoio ou instrução, mas não considerava tal aspecto por dizer respeito a pessoas que ainda não tinham atingido qualquer autonomia de personalidade.
"O orgasmo é a experiência quinta-essencialmente privada" continuou ela "e a ideia de que devemos partilhá-lo com terceiros é a corrupção final do que resta da civilização. O único momento em que as pessoas deviam foder seria para fazer bebes. Tudo o resto é mera indulgência.">>

in "As Comédias Eróticas"
Marco Vassi (1981)



"Vou-me amar.
Quero e desejo e preciso
de mim neste momento
branco,
lavado pelas chuvas de Março.

Vou-me ter.
Até ao orgasmo mais meu,
quando cicio para mim
acaricio para mim
rebolo para mim,
até mais não poder.

Vou-me deixar ir.
Em cadência.
Ritmo desenfreado no fim
batida medrosa primeiro.
Gosto disso.

Vou-me amar mais.
Sou demente em mim
e aproveito o cheiro a chuva,
o gotejar nas vidraças,
o restolho das águas na rua.

Vou-me adorar mais e mais.
Até chorar.
Como da única vez -
num quarto barato de hotel,
numa cama manchada por lençóis cinzentos.

Até chorar.
Até sentir o vazio.
Até sentir perfurar o meu sexo
com as minhas mãos possuídas.
Até à vertigem. Branca. Palpável.
Até ao abismo. Perigoso. Atraente.
Até à maior felicidade...

Depois
nada foi como antes.
Nunca repeti, esqueci o caminho.
Entre amar e ser amada adormeci os sentidos.

Depois,
só lembrar,
só para mim,
impossível partilhar -
imperioso gostar.

Tenho pressa.
Vou-me amar!"


ML

terça-feira, agosto 10, 2004

Sexo oral na Europa e na América...

“(…) Olhando para ela, não saberia dizer se estava excitada ou não. Mas a humidade em volta do seu tufo sedoso atraiçoa-a. Alastra e brilha entre as coxas e o cheiro a sexo sobrepõe-se lentamente ao perfume que ela usa. Acaricia a cabeça de J.T. e titila-me os testículos. Estende-se entre as minhas pernas, com o nariz percorre-me o pénis, esfregando-o depois nos meus pintelhos… o seu cabelo é negro-azulado, escorrido e brilhante… Não sei o que é que ensinam às mulheres no Oriente… talvez o broche seja ali negligenciado, mas Lótus deve ter tido uma genuína aprendizagem francesa. Passa suavemente a língua pelos pêlos que me cobrem os testículos. Lambe-me o pénis, com os lábios macios beija-me o ventre… as suas sobrancelhas oblíquas arqueiam-se quando abre a boca e se inclina para permitir que a cabeça de J.T. possa entrar… os olhos são duas fendas selvagens. Chupa-me, passa-me os braços pelos quadris, os testículos recebem o calor das mamas dela… Estico-me por cima dela… senta-se, com o pénis ainda na boca, ainda a chupá-lo, mas deito-a, rastejo em direcção à abertura do seu sexo.”

In
“Opus Pistorum”
Henry Miller (1941)



“(…)O olho de Duncan saltara quando o rapaz foi atirado para a frente, entre os dois lugares dianteiros do carro. A extremidade aguçada da alavanca das mudanças tinha sido a primeira coisa que a amparara a sua queda. O braço direito de Garp, estendendo-se no espaço entre os dois bancos, chegara tarde demais; Duncan passou por debaixo do braço dele, ficando sem o olho direito e partindo três dados da mão direita no mecanismo do cinto de segurança do carro. As investigações concluíram que o Volvo não avançava a mais de vinte e cinco, no máximo trinta e cinco milhas por hora, mas o choque foi espantoso. O Buick de três toneladas não deslizou uma polegada com o choque do carro de Garp. Dentro do Volvo as duas crianças foram chocalhadas como ovos caídos da caixa e espalhados no saco das compras – no momento do impacto – e mesmo no interior do Buick a sacudidela foi de uma surpreendente ferocidade.
A cabeça de Helen foi atirada para a frente, falhando por pouco o volante, que acabou por lhe atingir a nuca. Muitos filhos de lutadores têm pescoços fortes e a verdade é que o de Helen não se partiu – apesar de ela ter sido forçada a usar um colete durante seis semanas e de as costas a incomodarem durante o resto da sua vida. A sua clavícula direita ficou fracturada, talvez com a pancada desferida pelo joelho de Michael Milton, que se erguera, e o nariz com um grande golpe (fora suturado com nove pontos) provocado pela fivela do cinto de Michael. A boca de Helen fechou-se com tal força que ela partiu dois dentes e precisou de levar dois pontos na língua. Ao princípio Helen pensou ter ficado com a língua completamente cortada, porque a sentia a nadar na boca, que estava cheia de sangue, mas a cabeça doía-lhe tanto que não se atrevia a abrir a boca, até ser obrigada a fazê-lo para respirar. Além disso, também não podia mexer o braço direito. Cuspiu aquilo que pensava ser a língua para a palma da mão esquerda, mas não era, claro. Eram três quartos do pénis de Michael Milton.”

In
“O Estranho Mundo de Garp”
John Irving (1978)

segunda-feira, agosto 09, 2004

Uma mulher pediu a palavra!

Ninguém admite, mas andamos todos a procurar conhecer-nos melhor…
Até morrer, o ser humano deseja mais que tudo saber quem é, o que faz, para onde vai, de onde vem, como fazer! Mas mais do que isso, todos queremos saber porquê. Um blogue só é conseguido quando é lido por alguém, mas é bem conseguido quando recebe feed-back, quando consegue estabelecer comunicação. Aconteceu aqui e faz-me sentir contente. Alguém que leu o meu despretensioso pensar sobre o livro “História d´O” e que se identifica com a prática de BDSM (Bondage, Dominação, Sado-Masoquismo), enviou-me um relato verídico de uma primeira sessão com um Dom (Dominador) que a cativou. Por o sentir verdadeiro, quero partilhá-lo. Por o saber honesto, julgo-o importante. E por talvez desmistificar um pouco o lado negro da BDSM, por falar de alguém que se quis conhecer para além do que julgava saber, e procurar as razões, talvez esse relato faça mais gente anónima querer saber melhor quem é e para onde vai…


“Vou tentar cumprir o prometido, como sempre faço....
Antes de nada, quero que saibas que confiei em ti desde a primeira vez que falamos, por isso o desfecho foi o que foi... A minha intuição é de confiança, e não sou a leviana que poderia sugerir o facto de ter feito algo "perigoso" como sugeriste e com razão; o tal "levar a sério" que sentiste em mim, foi o que senti em relação a ti. Querer descobrir-me e saber os meus limites dando prazer e sentindo prazer - é a minha quest, a minha busca do meu Graal. Acredito em emoções e sentimentos, daí a entrega...
A confiança total chegou quando disseste antes da sessão "faço isto para me divertir!"!!!! Aí senti definitivamente que podia confiar, porque essa sim foi uma exposição tua que revelou honestidade... embora outros pudessem encarar como muito pouco. Aparte isso, tentei não desiludir porque só tenho o que sinto para dar, não certo look ou comportamento extravagante...
Durante a tarde gostei do contexto, gostei de me poder entregar, mais até do que de me entregar (o que nem toda a gente entenderá) e fi-lo com imenso prazer porque eu merecia e tu merecias, claro. Julgava-me repugnada com imensas coisas que me fizeste, mas saber-me entendida deu-me vontade de querer mais. A mordaça, capuz, algemas, açoites, molas no sexo - eram conceitos e situações que me apavoravam, principalmente a dor física, mas descobri-me a apreciar uma nova sensação, a de impotência acalentada, do deixar-me ir, que me deixou soltar. Senti que fizeste tudo para cumprir o que tinhas dito e o que eu tinha pedido, isso desarmou-me e quis honrar o acto, tanto como me senti quase honrada por me teres escolhido.
No carro disseste-me masoquista e não me senti envergonhada, sintomático apenas de que a dor, para mim, julgo agora saber, é apenas mais um sentir que sempre senti, mas não fisicamente... Passei dois dias a entender como se pode racionalizar a dor consentida - não se pode! Ou está lá e é bem aceite porque de certo modo conforta, ou é banida por receio de nos dominar, e os meus medos não são esses...
Obviamente que todas estas situações têm de ser secretivas, mas tenho de admitir que me despedi de ti com vontade de gritar bem alto que me senti livre durante a tarde de sexta. Mas sou ponderada e tenho bom-senso, considero-me adulta e a respeitar os outros como gosto que me respeitem, espero que acredites nisso e em mim.
Estou apreensiva quanto a ver as fotos que tiraste, e coloquei a hipótese de não as querer ver, mas concluí que tenho de as ver; o planar sobre o corpo só prova que o corpo esteve lá, e sei que me vou sentir feliz por ter conseguido superar-me. Fisicamente, fiquei orgulhosamente marcada - gostava que entendesses que nunca senti que o meu corpo fosse importante, nunca lhe dei valor, mas aqui ele é que levou a mente pela mão até onde quis, e isso foi maravilhosamente novo e libertador.
Começo a repetir-me porque estou ainda cheia de uma boa sensação, de um estar-bem que dificilmente consigo sentir quanto mais manter. Embora consciente de que a surpresa nem sempre será a mesma, a minha entrega a ti é um facto consumado... e agradecido. Os jogos são fantásticos quando as regras são respeitadas, e tento sempre ganhar - aqui ganhei amor-próprio talvez.
Tecnicamente, se assim o posso chamar, excitou-me muito saber-me a tua mercê, saber-me a depender de ti, a ser recompensada e castigada com empenho, com a tua justiça. Excitou-me o desconhecido, o apreender as regras na pele, nunca te olhar... a humilhação de nunca me teres penetrado, de me teres provado que o meu prazer era a tua manipulação. Estava preocupada com o teu prazer, isso conseguiu roer-me um pouco, o meu cuidado contigo também - não te conheço suficientemente bem para saber se ou como manifestas o teu prazer, mas confiei que estivesses, de algum modo, a realizar-te. Imaginei-te sempre a olhar-me as mãos, que ali eram os olhos, e isso foi terrível e fantasticamente embaraçoso - não as poder controlar....
Não há mais nada para dizer - deixei-me ir na escrita, como naquela tarde... soltando-me, libertando-me com a tua ajuda, e foi muito bom....
Sei que entendes o que sinto e o que falo, por isso chega.... Silêncio!”


terça-feira, agosto 03, 2004

O pensamento sexual

“(…) Era um pensar muito sereno, o género de pensar a que se devem ter entregado os homens do Paleolítico. As coisas não eram absurdas nem
explicáveis. Era um quebra-cabeças que podíamos empurrar com os dois pés, quando nos cansávamos. Aliás, podia-se afastar facilmente tudo, até os Himalaias. Era precisamente o tipo de pensar oposto ao de Maomet. Não conduzia absolutamente a nada e por consequência era agradável. O grande edifício que se podia construir ao longo de uma longa foda também podia ruir num abrir e fechar de olhos. O que contava era a foda e não o trabalho de construção. Era como viver na Arca durante o Dilúvio: havia de tudo à disposição, desde o mais complicado até à chave de parafusos. Para quê cometer assassínio, estupro ou incesto quando tudo quanto nos pediam era que matássemos tempo?
(…) Fechado assim, dias e noites a fio, comecei a compreender que pensar, quando não é masturbador, é lenitivo, curativo, agradável. O pensar que não nos leva a lado nenhum leva-nos a todo o lado; todo o outro pensar é feito sobre trilhos e por muito longo que seja o percurso no fim ergue-se sempre o depósito ou a rotunda de recolha. No fim há sempre uma lanterna vermelha que diz: PÁRE! Mas quando o pénis desata a pensar não há nenhum sinal de paragem nem nada que o impeça: é um feriado perpétuo, com isca fresca e o peixe sempre a mordiscar…”

in “Trópico de Capricórnio”Henry Miller (1961)


Curiosa a analogia entre vários tipos de pensamento, principalmente o facto de o pénis adquirir essa espécie de consciência da presa a que Miller se refere. Se o nosso pensamento quotidiano é um pisar dos trilhos que se sabe sempre onde acabam, o do pénis engalfinhado atrás do sangue do coito é um pensamento verdadeiramente livre, embora condicionado pelo desejo. Na verdade, afinal de contas, são os objectivos que nos limitam todo o tipo de pensamento. Ao pensar, estamos pura e simplesmente a tentar alcançar uma meta, seja responder a uma questão, racionalizar uma ideia, explicar uma construção, não importa o quê… O pensamento do pénis segundo Henry Miller é, assim, o único verdadeiro, genuíno, inato, porque não se perde em devaneios nem desvios – solta a fera, só se detém perante a gruta do prazer, onde bebe de uma goteira de palavras soltas que compõem o prazer.
Nada mais importa, uma vez despoletado o que se poderá popularmente chamar de “pensamento sexual” – quando o pensamento passa a ser táctil, verbal, externo ao raciocínio, uma demonstração do próprio acto de pensar. Pulsa o pénis e a vagina como um coração, latejam as veias com o sangue quente, e o que era pensamento transforma-se no reflexo do pensamento – uma obra-de-arte… Como um quadro, uma esultura, um mural! Aberta a caça, o pénis segue o seu pensamento sexual até à raia da cópula e só ai estaca, ciente de que terá muito para dizer!!!
Gosto de pensar que todos nós somos filhos de um pensamento sexual, daí a luta de prazer e dor que o orgasmo implica – o momento maior em que se faz luz e uma centelha de algo superior à compreensão toma conta de nós. Embala-nos como crianças com medo… e é bom adormecer assim!

ML

segunda-feira, agosto 02, 2004

Para o amigo que me fugiu…


“- E agora conta-me porque estás triste.
- Porque até agora vivi num sonho e tenho medo de despertar…”
in “De Amor e de Sombra” - Isabel Allende


“(…)lançamo-nos ao trabalho de tirar esqueletos do armário e de os fazer dançar, como aconselhava Bernard Shaw. Digerir, o passado não se esquece, negoceia-se…”
in “O Sexo dos Anjos”Júlio Machado Vaz


”Deves escolher um caminho para ti próprio!” – Kazuo Koike




Recebi um telefonema de alguém que eu gostaria que fosse meu amigo! Despedia-se, ia-se embora do meu mundo, na verdade sem nunca ter entrado… Balbuciou muitas explicações, fez muitos silêncios que sei magoados, mas disse que ia. Soube que não voltava!
Uma espécie de voluntário para uma guerra, para uma causa maior – como um cruzado atrás de um estandarte, que vai pelo apelo… Não tive tempo nem de perceber!! Amigo é isto – é ficar a acenar quando o outro parte, a aceitar sem saber o quê, é rezar para que o outro não fique pela tentativa…
Este amigo não tinha rosto porque nunca o vi, tinha voz porque o ouvi muitas horas, tinha vida porque ma contou, tinha tudo… A concessão de se mostrar Homem fez-me sentir especial, uma amiga, e retribui sem segunda intenção. Estava para ele como para o mar – a escutá-lo, e a sentir-lhe um cheiro que inventei… Queria-o feliz! Merecia que ele dissesse “Vou ser feliz assim!”, mas não disse…
O amigo que me fugiu procurou as minhas palavras e silêncios antes de a vida lhe ter feito mal, quando todo ele era uma certeza inabalável! Agora procura uma trincheira onde mais ninguém cabe… e eu ensaio um adeus que não tinha de ser. Já me faz falta e ainda nem partiu - ouço a voz ressoar nos ouvidos, sinto a gargalhada encostada à ombreira da porta. Estou orgulhosa dele. E nem sabia que o gostava…

“As palavras estão gastas. Adeus!“Eugénio de Andrade

quarta-feira, julho 28, 2004

A decência impiedosa…

Prefácio de “História de O”, de Pauline Réage, assinado por Jean Paulhan, anos ´70, edição portuguesa da Delfos

<<(…) E, no entanto, O exprime, à sua maneira, um ideal viril. Viril, ou, pelo menos, masculino. Finalmente, uma mulher que confessa! Mas o quê? Aquilo que as mulheres sempre têm procurado evitar (mas nunca tanto como hoje). Aquilo que os homens de todos os tempos sempre lamentaram: que não cessem de obedecer ao seu sangue; pois tudo nelas é sexo, até o espírito; que será sempre necessário alimentá-las, lavá-las, compô-las, bater-lhes; que elas têm simplesmente necessidade de um bom senhor e que ele desdenhe da sua bondade: porque elas procuram fazer-se amar por outrem, por todo o ardor, toda a alegria, por tudo o que deriva naturalmente da nossa ternura, logo que esta se declara. Em resumo, que é preciso levar sempre um chicote quando as vamos ver. Há poucos homens que não tenham sonhado possuir uma Justine. Mas, que eu saiba, mulher alguma jamais sonhou ser Justine. Ou, pelo menos, sonhado em alta voz, com aquele orgulho próprio dos lamentos e das lágrimas, aquela violência conquistadora, aquela capacidade de sofrimento e aquela vontade, tensa, até à dilaceração e à explosão…
(…) Preciso realmente de pensar agora no que há de, precisamente, estranho, no desejo masculino: de insustentável. Existem pedras onde sopram os ventos, que se mexem de repente ou que se põe a emitir suspiros, a tocar como um bandolim. As pessoas vêm vê-las de muito longe. Contudo, por mais que se ame a música, o primeiro desejo é de fugir. Realmente, e se o papel dos livros eróticos (ou livros perigosos, se preferirem), fosse o de nos informar? O de nos acalmar os escrúpulos, como um confessor? Sei que, em geral, as pessoas se habituam a isso. E os homens também não ficam embaraçados por muito tempo. Tomam a sus defesa, dizem que foram eles os primeiros. Mentem e, se assim se pode dizer, os factos estão patentes: evidentes, demasiado evidentes. As mulheres também, dir-me-ão. Sem dúvida. Mas nelas o acto não é patente. Podem sempre afirmar que não. Que decência! De onde derivou, sem dúvida, a opinião de que elas são as mais belas, que a beleza é feminina. Mais belas, não tenho a certeza. Mas, em qualquer caso, discretas, o que é uma espécie de beleza… (…)
 
Apesar de datado, este texto acaba por falar de Dominação no seu sentido mais generalista – um critico-homem, subjugado pelo peso de um livro que ele acredita escrito por uma mulher. Um livro sobre Dominação, onde tortura, dor e submissão são infligidos em nome de um maior ideal – o amor de O pelo seu dominador, René. Na época, o assunto era apelativo mas perigoso (como os tais livros), embora agora – trinta anos depois - assuma uma certa leveza que nunca julguei possível. No entanto, interessa-me o lado feminino da questão – o purgar, o expiar do amor através da entrega da mulher ao seu senhor, ao homem que lhe dá a segurança de se ocupar dela, de a ter entre as suas mãos ternas depois de a marcar com chicotadas de poder. Apesar de o livro ser uma referência, o seu prefácio escrito por um homem é quase um livro dentro do livro. Impossível não ser tocado pelo sentimento de impotência que o critico transmite, não só no entendimento do perfil do autor, como da sua personagem principal e mais até, do seu “carrasco”, Sir Stephen. O texto - um espaço de sombras e gritos, onde cada mulher se sente inevitavelmente atraída e repelida pela ideia de que poderia ser ela na reconciliação, mas nunca no oferecimento à dor, pelo prazer do seu dono. E será verdade? Não creio. Qualquer ser humano se adapta as circunstâncias, feliz ou infelizmente, e o condicionamento da mente humana é bem mais fácil do que poderá parecer – vejam-se situações adversas e suas vítimas, nas guerras, epidemias, fomes, doença e por ai fora. Todos procuramos sobreviver, e sempre da melhor maneira que conseguirmos. O existiu na paz de se saber completamente passiva de alguém, escolhida, o que só por si a faz especial, a ela e à atenção que lhe dão; haverá outra maneira de alguém se tornar especial no Mundo com a tal maior decência?
Impiedosa? Sem dúvida, mas nunca ninguém disse que ser especial era tarefa fácil. Talvez que por vezes os meios justifiquem os fins…

ML


segunda-feira, julho 19, 2004

A Vida - um mito insensato?

"O eterno retorno é uma ideia misteriosa de Nietzsche que, com ela, conseguiu dificultar a vida a não poucos filósofos: pensar que, um dia, tudo o que se viveu se há-de repetir outra vez e que essa repetição se há-de repetir ainda uma e outra vez, até ao infinito! Que significado terá este mito insensato?
O mito do eterno retorno diz-nos, pela negativa, que esta vida, que há-de desaparecer de uma vez por todas para nunca mais voltar, é semelhante a uma sombra, é desprovida de peso, que, de hoje em diante e para todo o sempre, se encontra morta e que, por muito atroz, por muito bela, por muito esplêndida que seja, essa beleza, esse horror, esse esplendor não têm qualquer sentido. (...)"
 
in "A Insustentável Leveza do Ser"
     Milan Kundera
 
 
Não quero acreditar que a vida é uma sombra sem peso, morta e sem sentido depois de vivida! A Imortalidade é o objectivo de toda a Humanidade, seja plantando a árvore, escrevendo o livro ou tendo o tal filho. A Teoria do Caos está em tudo o que acontece, e nós apenas fazemos escolhas, umas certas outras erradas; mas tudo isso surge a posteriori, como a avaliação que se pode fazer do que existimos, do que fomos. Só com provas dadas é que as coisas se vestem, se rotulam, de boas ou más, acertadas ou desastrosas; as provas dadas são pois a nossa vivência, anos de investir em velhos muros de conformismo ou de tradicionalismo ou de qualquer outro ismo que, as mais das vezes, nem tem nome... A pior de todas as curas surge com a doença imaginária, é a mais dificil de todas, a que exige o sacrifício da imaginação em prol da existência. Quando falamos do que sentimos, aí entra a imaginação, o poder de criar uma ideia, de transformar uma sensação/emoção/comoção/acto em teoria, afinal... e tudo isso porque há coisas que não podem ter nome ou não encaixam numa definição! O processo é inverso, portanto - parte-se do dado concreto para a definição, a teoria, e o que se perde nessa elipse? Geralmente a magia, neste caso, a magia da vida, se for considerada um mito primeiro e insensato depois! O que tem nome é mais cinzento do que o que não tem - acho eu... As bolhas de sabão e as cores do arco-íris fazem sentido para montar a ideia mas, se esta estiver na prateleira da arrumação conceptual, vemo-la, sentimo-la a preto e branco, magoa-nos com o duro espigão da realidade. Ninguém deseja isso, nem quando diz que é realista - aí o que se quer é outra coisa, é a defesa do jogador de soccer americano, a protecção contra os rigores da definição, da teoria, da normalização afinal.
Não creio na teoria do eterno retorno de Nietzsche porque a minha vida não é a preto e branco, nem se pode arrumar na prateleira das catalogáveis. Nem a vida seja de quem fôr! Uma vida é sempre um acontecimento único, colorido e musicado, cheio de contradições e más apostas por vezes, mas por isso mesmo imperfeita - logo, não-normalizável! A sombra de cada vida é mais longa ou curta, gorda ou magra, cinzenta ou preta, mas não termina num ultimo suspiro exalado, nem nos olhos fechados por alguém. Talvez até comece aí... pelo menos acredito que sim...
 
ML

terça-feira, julho 13, 2004

“Os Deuses Bocejam…”


"Os deuses não foram derrotados ou eliminados, continuam imortais como sempre foram, apenas mudaram de nome, adaptaram-se às mudanças…"

“A Casa dos Budas Ditosos”
João Ubaldo Ribeiro


“The Gods Are Bored” era o título de uma canção emblemática de som da frente, nos anos oitenta…
Um amigo meu defende que os deuses dos nossos dias são os Médicos, com os seus milagres de bastidores. Tenho de concordar, quando um moribundo de sábado à noite sai do hospital pelo seu pé na terça-feira seguinte.
Mas será que é mesmo assim? Quem sabe o que esperava aquele moribundo se continuasse a sua viagem impune pelo mundo, sem antes ser avisado quanto à sua mortalidade!?
De quando em vez dispara um alarme qualquer na rotina da existência e nada volta a ser como antes. E ainda bem… Se a imortalidade fosse um dado adquirido não seria tão desejada, precisa, necessária, urgente.
Alguém que recentemente entrou na minha vida diz-me que tudo mudou na sua existência depois de um grande acidente de viação de onde saiu ileso, contrariamente às probabilidades! Quem define as probabilidades?
A verdade é que os deuses somos nós!
Adaptamo-nos às circunstâncias como soe mais adequado à sobrevivência – esse bicho de quatro patas que nem sempre sabe onde se aninhar. Nós – gente feita de carne, sangue e ossos, mas que é tão grande que se permite a leviandade de sonhar. Gente com cheiro, que acredita na vida! Como os deuses – a ta miragem que nos tapa do frio quando adormecemos…
Deuses e homens vivem juntos sob o mesmo céu – fazem dos dias momentos plenos e das noites promessas de outros dias iguais!
Gente precisa de se sentir especial porque a vida é especial e os olhos filtram as maravilhas com ansiedade, escorregam no orgasmo. Pouco mais importa…
Se o Olimpo fica no Hospital S.José ou nas urgências anónimas de qualquer outro país não é importante. Fundamental é que não feche para obras!

“(…) Tal e qual como ele. O búzio gasto pelo rolar das areias de África donde nunca saiu. O homem que se acreditava Deus à sua maneira. O que criava as coisas à sua semelhança, sem desperdício, porque este lhe fazia muita confusão. E que penou até à Eternidade, mas com gozo, o tal gozo da plenitude. Porque se beatificou numa cascata de orgulho, um dia, há muito tempo atrás, antes do Big Bang e da consciência adquirida e do polegar oponente. “A sorte protege os audazes!” Mas não são os audazes que quem a fazem; eles só a carregam, como uma bilha debaixo do braço, útil quando cheia, incómoda quando esvaziada. Mentira e inquietação e ele – todos juntos numa montanha de decisão. Um dia. Entre alvoreceres doentios de ressacas de sono. Um dia sem título. Como as aves a migrarem para o sul. Um dia grande, comprido. A correr desenfreadamente por entre os bosques cerrados de imagens da sua vida. Ele fugiu de vez. Para não mais voltar. Para esquecer. Para renegar tudo. Para se fazer mais Deus e menos homem. Para não ter de acordar no mesmo sítio – só isso. Tudo o resto foi com ele. Até porque não tirava fotografias. Carregava-as marcadas a ferro e fogo por detrás dos olhos e à volta do coração Só ficou o sexo nas suas mãos, nos seus poros, na sua audácia, agarrado mansamente à inquietação. Transformado em um sentir diferente, de outras épocas e outros tempos, de quando aprendeu a ser quase feliz. Enquanto deixou que assim fosse. Enquanto não pôde deixar de assim ser. Armadilha… (…).”
ML



segunda-feira, julho 05, 2004

O Orgasmo Feminino


“De todos os elementos da sexualidade humana, o orgasmo feminino é considerado o mais enigmático. (…) No entanto, o orgasmo influencia diferentemente o sucesso reprodutivo da mulher, dependendo da altura em que ocorre. (…) Mas o prazer não é uma função em si mesmo, mas um sub-produto da função; ou seja, quando o corpo deseja desencadear alguma acção, desencadeia a necessidade de a realizar. Quando esta urgência é gratificada, a sensação originada é o prazer. O orgasmo feminino dá prazer porque tem uma função. A mulher sente o orgasmo quando o seu corpo julga que ele pode incrementar o seu sucesso reprodutivo. Quando o corpo entende que ele reduz o seu sucesso reprodutivo, ela não sente tal urgência.
(…) Cerca de 80% das mulheres masturbam-se para atingir o orgasmo em alguma fase da sua vida e, para muitas, é uma actividade de rotina, embora não frequente. A taxa média de masturbação é inferior a uma vez por semana – pouco mais elevada na semana que precede a ovulação, mais baixa nas restantes fases. A mulher tem mais apetência para se masturbar, e fá-lo mais vezes à medida que envelhece, pelo menos depois dos quarenta anos.”
“As Guerras do Esperma” – Robin Baker


Nunca é fácil falar de algo abstracto.
Assim, o orgasmo é uma dessas coisas tão complexas não só porque abstracto mas porque conceito, ideia. Falar do processo que leva ao orgasmo e dos seus efeitos, é relativamente fácil. Mas trato agora de outra coisa…
Há uns anos, tive o maior orgasmo da minha vida. Estava num motel de Lisboa, com um parceiro sexual com quem convivi quatro anos, o sexo foi excelente, como sempre acontecia mas, contrariamente ao habitual, acabei a noite a chorar! E nunca se repetiu…
No momento certo e inesperado, a fêmea envolvida numa cópula de noite de Primavera, num quarto anónimo de um motel conhecido, com um parceiro empático, sente-se perder num labirinto, escorregar numa encosta de sensações desconhecidas. A viagem parece interminável e descontrolada, as coisas mudam de sítio, tecto e chão não têm nome, e a queda é vertiginosa. Tudo muito escuro, muito sem dimensão, sem gravidade; um buraco negro como o imaginamos, sem princípio nem fim… Assustada, a fêmea tenta agarrar-se a qualquer coisa, mas só um choro das entranhas surge a surpreendê-la e a apavorar o parceiro. Ele pensa que a magoou. Ela sabe que plana. Ela só se lembra dum desenho animado dum filme dos Beatles e da música “A Day In Life” – uma espiral que suga tudo para dentro de si. Demorou a recompor-se, de olhos fechados e na posição fetal, como a lutar num esforço monstruoso de recuperar o que era seu, mas que não volta.
Se me perguntassem, à fêmea, o que perdi, não saberia dizer…
Talvez um sentir que não tem definição, mas esmagador, opressor, gigante porque sem nome. Talvez uma maneira de estar em que nada vale senão o perder-se, o planar, o soltar-se… Só tentei perceber de onde veio! Em que gaveta de nós, fêmeas, mulheres, está guardado esse bocadinho que os anjos nos arrancam entre suor e esperma, entre bocados de corpo mais corpo?
Não sei se gostava que voltasse a acontecer, perdia metade da sua magia, certamente, e na altura foi avassalador e cobriu-me como uma onda… Hemingway dizia que “quando acontece um orgasmo a Terra deixa de girar”.
Cobrimos os olhos quando ficamos nus – e o orgasmo talvez seja isso…


ML

ABRIL


Os mamilos erectos.
O gato olhava ainda a bola de lã, e o tacto!...
O candeeiro de fio comprido escorregando do tecto à procura do chão, oscila entre a aragem e o calor; e não chega a escolher…
Ela, sozinha a olhar um espelho inexistente, trinca preguiçosa um vermelho tomate apetitoso. Escorre-lhe sangue da boca e ela aspira-o a intervalos sincopados. A aragem teima em instalar-se no aposento, junto dos ocres. O gato lambe as patas, também ele com indolência.
Levantando-se seminua, procura um resto de líquido no copo. O leite espesso e branco sugere-lhe imagens carregadas de erotismo e ela sorri com a solitária malícia. Pensa que é bonita e gosta de o ser.
Os mamilos continuam erectos.
Chamam-se desejo.
... Mas ela amou-se de noite...
E não conseguiu.
Tem um fio ao pescoço que teima em acariciar... e é de prata. O cabelo brilhante caído sobre o colo do peito. Acende com prazer um cigarro e gosta de o ver arder entre os dedos.
É Abril e está calor.
Sente-se bem por estar meia nua sobre a cama, a um Domingo, com o gato esticado sobre a carpete morta.
Começa então a fazer o que lhe apetece.
Escorrega da cama e esconde-se num canto do quarto quase vazio. Encosta com minúcia as costas à parede côr-de-areia-quase-pôr-do-sol. Posters do mar fazem pensar em infinito, praia, mar e cor, doce e salgado, tempestade e bonança - fechando os olhos ela entrega-se ao jogo. Lembra-se de caranguejos a fugir para a maré lodosa e da massa azul a tentar puxá-los, e depois do mar a ser puxado pelo infinito, e o infinito a desaparecer da imagem.
O gato espreguiça-se.
O gato levanta-se e também todos os pêlos do corpo - e ela estremece. Gatinha de encontro ao felino e encosta um dedo ao seu focinho - primeiro uma carícia depois uma tentativa de diálogo, e o gato a tentar acertar-lhe com uma pata atrevida, na incerteza do propósito.
Recuando, ela senta-se de cócoras. E é a vez do gato lhe causar sensação de prazer. Arranha-lhe devagar o pé esquerdo onde desenha pequenos riscos. Ela levanta-se num impulso incontrolado e põe a tocar Vivaldi.
O candeeiro continua indeciso no baloiço. Como ela... que humedece os lábios com a língua, também ela sequiosa. O leite acabou - só álcool agora. Ela sente-se irrequieta, esperando com ânsia que algo aconteça - e é apenas o combóio a passar urgente sobre os trilhos cansados de imobilidade. A cidade também está calma e suspensa, quase estupefacta perante um céu demasiado azul e demasiado céu. Os parques repletos de “pas de deux” amorosos, o rio calmo na sua largura de rio calmo. E a música a rastejar nos ouvidos e na memória dos ouvidos, repleta de sons e imagens.

ML

sexta-feira, julho 02, 2004

"Alice No País das Maravilhas"

"(...)Alice, cheia de curiosidade, foi na peugada do animal, chegando a tempo de o ver entrar numa grande toca. Sem reflectir, meteu-se também por ali, atrás dele, sem pensar que talvez depois tivesse muitas dificuldades em sair. (...)"


"(...)- Mas a verdade é que esta espécie de vida não deixa de ser interessante. Quando eu lia contos de fadas, estava certa de que aquelas coisas não aconteciam nunca na vida real, e, pelo contrário, aqui estou, como se fosse a protagonista de um conto. Alguém deveria escrever um livro sobre as minhas aventuras. Quando eu for mais velha, eu mesma o escreverei.(...)"


No nicho dos dias...

Nunca consegui perceber para que serve a vida...
E as memórias... Porque flutuam elas entre o olhar e o tacto, presas entre os dias? São como velhas molas de colchão, onde o prazer se deitou e demorou, onde a morte descansou da vida; são o suporte de ficções e a foz das ilusões - e não são nada afinal!
As memórias... Um trapo a cheirar mal, que de vez em quando lavamos e pomos a secar numa pressa, para que as cores não desbotem... os cheiros de então! O que ficou para trás, aquela ténue frincha do vidro estilhaçado por onde o vento se atreve a espreitar... e onde as teias de aranha se aninham numa cópula do Futuro.
Vive-se aninhado no nicho dos dias... e o sexo rasteja impune na palma da mão!


ML

domingo, maio 30, 2004

"Hey You..."

"Hey You! Out There on the Cold
Getting Lonely, Getting Old, Can You Feel Me?
Hey You! Standing in the Aisles
With Itchy Feet and Fading Smiles, Can You Feel Me?
Hey You! Don´t Help Them To Bury The Light
Don´t Give In Without A Fight.

Hey You! Out There On Your Own
Sitting Naked By the Phone, Would You Touch Me?
Hey You! With Your Ear Against The Wall
Waiting For Someone To Call Out, Would You Touch Me?
Hey You! Would You Help Me To Carry The Stone
Open Your Heart, I´m Coming Home.

But It Was Only Fantasy
The Wall Was Too High As You Can See
No Matter How I tried I Could Not Break Free
And The Worms Ate Into My Brain...

Hey You!Out There On The Road
Doing What You´re Told, Can You Help Me?
Hey You! Out There Beyond The Wall
Breaking Bottles In The Hall, Can You Help Me?
Hey You! Don´t Tell Me There´s No Hope At All
Together We Stand, Divided We Fall...

Is There Anybody Out There?"


in "The Wall" - Pink Floyd (1979)