quinta-feira, outubro 28, 2004

IMAGENS

Restam a raiva
E o medo cego
De não conseguir
...um grito num túnel
...uma qualquer asa a tocar um telhado,
...talvez.

Restam a cegueira
e a surdez
de não querer ver
...um balão de côr
...um sino a badalar numa torre de igreja.

Resta a confusão
...a angústia de não saber,
de não restar mais nada
...senão um poente amarelo!

Fica então a gargalhada,
Que estala
Como um chicote na mão do domador,
Um soluço imenso
Amarrado ao nó atado na garganta;
A dôr!

Fica ainda uma ferida muito aberta nos olhos,
Alfinetes espetados um a um.
A cólera de não poder correr.
Ficar então..
...não fugir p´ra lado algum.

Depois...
Há o combóio a trepidar,
Há os sonhos como colar de pérolas,
Há a tal raiva
E a tal cegueira
E o tal ver.

Depois...
Uma surpresa guardada num baú fechado à chave.
Uma revelação
Indiferente.
Um som, um cheiro, um olhar magoado.
A sombra
Que paira na curta vida da gente!

E sinto ainda tua voz,
Aninhada na conhcha do teu sentir
Inundando a volúpia e o desejo,
Querendo ser ave imensa...
Apenas para fugir...

E como treme ainda o meu silêncio,
Como berro, alta a tua imagem,
Como queria ser neve e sou o vento;
Oh, lamento eterno
Efémera viagem!

Passou enfim a ameaça
Meu amor,
E nada ficou para durar;
Nada quis ser pedra,
Tudo foi lama,
dinastia perene dum qualquer rumor.

Vai então,
Não demores o olhar.
Vai então,
Não hesites no caminho.
Vai então,
Porque eu só posso ficar!


ML

domingo, outubro 24, 2004

“Xi, Toto, acho que já não estamos no Kansas!”

“Por aqui, sigam-me a descer a escada. Cuidado onde põem os pés e segurem bem alto a vossa tocha... isso. Devia ter-vos dito para trazerem uma camisola, pode ficar bem frio lá em baixo. Não deixem que os ruídos vos distraiam, as paredes de pedra distorcem tudo. Bem, sim, daqui ouve-se algo parecido com um grito. Por favor ignorem-no, não tem nada a ver convosco. Deixem-me falar-vos um pouco daquilo que fazemos aqui.
Os habitantes e visitantes do mundo do Sadomasoquismo são facilmente confundidos com gente intimidada e confusa como aquela em quem a Dorothy tropeçou em Oz. A sua viagem pela Estrada de Tijolo Amarelo ensinou-a que as pessoas têm as mesmas necessidades e sentimentos estejam onde estiverem. Mesmo o magnífico e aterrorizante Feiticeiro de Oz revelou ser não mais do que um simpático velhote com um gosto particular por efeitos especiais.
Os Sadomasoquistas são um pouco como o Feiticeiro. Nós gostamos de projectar imagens aterradoras e de activar brinquedos estranhos, mas quando nos atiram para o caldeirão e nos cozinham, descobrem que somos apenas gente simples que tem um caso de amor com a fantasia. O SM pode não ser certo para toda a gente, assim como a sexualidade humana pode ser expressa em muitas nuances. Acreditamos que nenhuma forma de sexualidade que alimenta o espírito é menos legítima do que qualquer outra. Quer se viva numa Cidade Esmeralda ou se debata numa masmorra, não há sítio como a nossa casa.
Aqui estamos, e eis as nossas celas aprisionadoras. Sentem-se naquela laje. Agora vou deixar-vos nas mãos cpazes dos nossos anfitriãos. Divirtam-se! Oh, não estejam tão nervosos, cuidaremos bem de vocês... e do vosso cãozinho também!”

“Screw the Roses, Send Me the Thorns – The romance and sexual sorcery of Sadomasochism” (1995)

Philip Miller, Molly Devon

quarta-feira, outubro 20, 2004

MAIO

…E quando o tempo passa e os jovens se encolhem, dá-se algo parecido com um furacão e o mar revolta-se contra o Mundo. Chama-se estupidez ou talvez cupidez – se não se chamar outra coisa qualquer. As mulheres perdidas nas transversais do Mundo são piores que os homens perdidos nos cruzamentos da Vida: quando se encontram, há cabeças que rolam para o Paraíso e o céu deixa de ser céu e dá lugar a um qualquer ancoradouro do Diabo.
Outras vezes são as crianças que choram e nem sabem porquê; sentem apenas alívio no vazio ocupado pelas lágrimas pequeninas de crianças grandes como monumentos. Há um assassino na estrada e viajantes na tempestade, dizia ele, um outro poeta suicidado num dia do Tempo.
Há um homem fugido para dentro de si, para dentro das suas entranhas, para dentro de qualquer coisa em si que o defende – pensa ele – dos males do Mundo em redor. E depois há bêbedos, e sóbrios, e inúmeros cadáveres que cheiram mal quando a lua os destapa: o cheiro dos que não têm outro cheiro! E o tal homem enfia a cabeça na areia e finge nada se passar, apenas porque um dia, para ele, o Mundo deixou de girar no seu eixo e ele sentiu-se só! Agarrou-se às grades e passou para fora as mãos, mas a alma, essa, ficou agarrada ao tempo que lá deixou e nunca mais viu de novo. No único dia da sua vida em que teve saudades, chorou baixinho, como as crianças grandes com medo das sombras. Um ursinho brinca com uma almofada e ela cai-lhe entre os dedos... sem ele nada poder fazer ou até dizer....

ML

domingo, outubro 10, 2004

Quando é que vale a pena...?

...Nunca disse a ninguém que percebia muito de Bondage ou BDSM... Nunca passei a ideia de ter a certeza que os seres humanos se comportam inevitavelmente nesta ou naquela situação, sob determinadas condicionantes... Na verdade, acho que cada caso é um caso, mas na prática de BDSM esta premissa é ainda mais verdadeira!

“Hoje estou muito triste!
A tristeza instalou-se ontem, na verdade...
Sou uma submissa iniciada recentemente na prática da Bdsm. Não gosto de nada muito extremo, sou muito soft, e humilhação é a minha preferência! Uma mulher sózinha, e submissa, a navegar numa internet de gaviõe
s sedutores é sempre um atractivo, e eu não fugi à regra.
Entre muitas pretensões a Dominadores, há algum tempo reconheci numa multidão um DOM que se revelou ser o tal, no sentido de eu ter considerado a hipótese de se me sujeitar a ele em absoluto, em regime de exclusividade. De me deixar “encoleirar”, ganhar uma trela e um Dono... Esse é o objectivo de qualquer submisso neste reino de mandar e obedecer, mais cedo ou mais tarde.
Comigo é tudo mais tarde! Tenho uma passada curta no que toca a decisoes, e porque não gosto de me arrepender, hesito imenso. Aqui foi assim também.
No entanto, uma decisão mal tomada, no calor da circunstancia, acabou com o meu desejo de me sujeitar à coleira do meu tal Dono especial. Ele rejeitou-me por eu ter tomado uma atitude que nem o abrangia sequer. Não satisfeito, arrasou-me com tudo o que se lembrou, fez-me sentir coisas que ninguem tem o direito de fazer o outro sentir! E baniu-me, escorraçou-me, correu comigo.
Nunca chegou a saber a minha decisão quanto a usar a sua coleira... nem quis saber. No fim, desejou-me que tudo me corresse bem! Eu retribuí. Adeus!

E dói muito a não-verdade das conclusões que ele tirou. Dói mais que cem vergastadas nunca ter acreditado em mim, concluindo que afinal o andei a gozar... É uma chaga aberta saber que jamais me vai querer a servi-lo... Tenho vergões na alma por saber que não o vou voltar a ver.
Nunca lhe chamei o meu Dono, mas era assim que o recebia, que me entregava a ele, e que o sentia em cada festa depois da dôr. Sabia que podia contar com ele!
Quando a minha decisão foi mal tomada e deu lugar ao erro, ele não estava lá, eu estava sozinha, e tudo se encaixou como se tivesse de ser... E ele não me perdoa! Aceito mais uma vez, mas agora sem que ele me veja os olhos, me acaricie as costas, me dobre à sua frente!
Quando é que um Dom deixa de o ser?
Quando julga sem saber o que se passou, porque não viveu o que aconteceu? Quando a submissa o procura para lhe contar o sucedido, esperando a sua compreensão? Quando sai da vida da submissa no momento em que finalmente ela o confirma como Dono, ao pedir-lhe um ombro? Quando se esquece que uma submissa também erra? Quando se esquece de perdoar? Quando aplica a sentença como se de um bullwhip se tratasse? Quando se esquece de se imaginar na situação inversa?
E se a submissa o tivesse de desculpar? Se ele falhasse uma e outra vez, e ela o desculpasse sempre? Se ela pensasse nele apenas como um ser igual com mais poder? Se ela o quisesse perto, a dominá-la, por não conseguir estar longe dele?
Quando é que uma submissa deixa de o ser?
Como se apagam as coisas boas que sentimos e a unica má se enraíza como uma erva daninha?

Como se diz adeus a quem se quer perto?”



terça-feira, outubro 05, 2004

A arte da submissão…

“(...) O vencido tem de dar a entender ao animal mais forte que deixou de constituir uma ameaça e que não tenciona prosseguir a luta. Se o animal se bate até ficar muito ferido ou fisicamente exausto, o animal mais forte afastar-se-á, deixando-o em paz.Mas, se o vencido puder mostrar que aceita a derrota antes de a situação se tornar extremamemnte infeliz, poderá evitar que a punição vá mais longe. Isto consegue-se através de certas manifestações características de submissão, que apaziguam o atacante, lhe reduzem rapidamente a agressividade, e aceleream o ajuste da discórdia. Estas manifestações de submissão actuam de várias maneiras. Basicamente, ou extinguem os sinais que têm estado a desencadear a agressão, ou estimulam sinais não agressivos. A primeira categoria de sinais serve apenas para acalmar o animal dominante, enquanto a segunda contribui para mudar activamente a sua disposição. A forma mais tosca de submissão é a inactividade completa. Como a agressão implica movimento violento, uma posição estática permite automaticamente interrupção da agressividade. Isto acompanha-se muitas vezes de encolhimento e agachamento. Como a agressão comporta expansão do corpo até atingir as dimensões máximas, o encolhimento produz exactamente o contrário e actua como sinal de apaziguamento. Outro gesto valioso é o virar costas ao atacante, visto tratar-se da posição oposta ao ataque frontal. Há ainda várias outras formas opostas à ameaça. Se determinada espécie ameaça baixando a cabeça, neste caso a elevação da cabeça significa sinal de apaziguamento. Se o atacante eriça os pêlos, o baixar deste serve para manifestar submissão. Nalguns casos raros, o vencido aceitará a derrota expondo ao atacante uma área vulnerável. (...)
A segunda categoria de sinais de apaziguamento actua como dispositivo de remotivação. O subordinado emite sinais que estimulam respostas não agressivas e que, agindo no interior do atacante, suprimem o respectivo instinto lutador. Há tres formas de o conseguir: 1) adopção da atitude juvenil de suplicar comida – os mais fracos agacham-se e suplicam ao dominante, assumindo a posição infantil característica de cada espécie(...) 2) o animal mais fraco adopta uma posição sexual feminina – independentemente do sexo ou da disposição sexual, o vencido pode subitamente oferecer o traseiro, tal como as fêmeas fazem – na circunstância, o macho ou fêmea dominante cavalgará o macho ou a fêmea submissa, inciando uma pseudocópula 3) a terceira forma de remotivação implica estimulação de prestação mútua de serviços, tão comum no mundo animal(...) – passado pouco tempo, o dominante fica tão embalado com o jogo, que o mais fraco pode afastar-se são e salvo...”

In “O Macaco Nú”
Desmond Morris (1967)