quarta-feira, fevereiro 22, 2006

"Há mulheres que só obedecem às ordens dos maridos, os satisfazem e lhes dão prazeres voluptuosos na cópula se a isso forem obrigadas com pancada e maus tratos. Algumas pessoas atribuem esta conduta à aversão que sentem pela cópula ou pelo marido; mas não é o caso: é apenas uma questão de temperamento ou carácter."

in "O Jardim Perfumado" *

* "Tanto quanto se sabe, esta obra foi escrita pelo Xeque Umar Ibn Mohammed al-Nefzaui, e a data de composição ainda não foi acordada pelos críticos: uns datam-na no séc. XVI, outros no início do séc.XV e até mesmo final do séc.XIV. Descoberta em meados do séc.XIX por um oficial do estado-maior francês em serviço no Norte de África, conheceu em francês a primeira versão europeia, para, anos depois ser trazida novamente ao convívio do mundo culto por Sir Richard Burton, que a publicou em edição limitada em Inglaterra.O Jardim Perfumado é um panegírico do amor, um cântico à sensualidade, um clássico do erotismo. Mas, além disso, constitui também uma obra de grande interesse para os estudiosos da antropologia e da etnologia e uma achega de rara importância para o conhecimento e a compreensão da mentalidade árabe. O que o Karma Sutra é para a civilização hindu, é O Jardim Perfumado para a civilização árabe."

"Não temos de recear a comparação entre os prazeres dos
sentidos e os prazeres intelectuais. Não caiamos no erro de acreditar que
há prazeres naturais de duas espécies, uma mais ignóbil que outra: os prazeres mais nobres são os maiores."



"Essai de Philosophie Morale"
Moreau de Maupertuis (Berlim, 1749)

quarta-feira, fevereiro 08, 2006




Um brinde aos Amigos!

AMIGOS - uma palavra!

Há algum tempo atrás deixei de praticar BDSM, porque não conseguia entregar-me no acto, dar a alma e não a embalagem, o corpo, na consequência da cupidez de um pretenso Dominador. Não gosto de representar e afastei-me, não sem deixar de tentar uma e outra vez, mas sempre com o mesmo resultado. Alegava que não insistia porque "...tinha medo de voltar a falhar!"; em resposta um Dominador sério, respeitável e amigo disse-me "Falhar é nem tentar!".
Na mesma fase, em procura de uma Verdade maior que me dissesse onde erro na Vida, alguém me lembrou o que eu nunca devia ter esquecido em relação à prática do BDSM - na prática de BDSM as pessoas só mostram aquilo que são na vida real. Se são boa gente, continuam a ser. Se não são, não conseguem fingir o contrário por muito tempo!

Foram duas frases que me ficaram na cabeça até hoje, meses volvidos...
E nesta fase em que a cupidez agora é de gente que dorme na minha cama e come na minha mesa, lembro-me do que me tinha esquecido: gente boa é gente boa em qualquer situação e gente má acaba por mostrar o que é, mais cedo ou mais tarde...
Somos nós que fazemos a gente mais ou menos especial, Dominadores e submissos mais ou menos especiais; sem o lado de cá da barreira uns e outros são só gente com defeitos e virtudes.
Até aos meus 35 anos, o meu instinto e bom-senso na escolha das pessoas era de confiança e eu sabia que raramente me enganava. Depois disso, há um hiato no discernimento que me tolda a percepção do perigo nas desilusões. Se por um lado a vida traz maturidade nas escolhas, por outro devia trazer um kit de sobrevivencia para o desencanto. Com a idade ficamos mais sabios e menos tolerantes. A vida desgasta e cansa... Sinto-me cansada e intolerante! Sou como sou! Vale para a vida diária e para o BDSM e a sua prática...

Quando alguém se dá a um Amigo, fá-lo especial porque há uma entrega de alma também, como se se tratasse de BDSM puro: a Amizade passa a Dominar e a pessoa é submetida pelos testes da relação. Passei na maioria, falhei em alguns, mas sei que tentei sempre dar o melhor de mim! Por vezes, o que não resulta é o spanking da realidade, porque abre chagas e faz vincos que não vão sair, porque foram injustos - a falsidade dos amigos!


Todos os dias alguém que fiz especial por lhe chamar Amigo prova que é apenas um amigo-em-trânsito, daqueles que sugam o melhor de nós, recarregam baterias e vão fingir que o que têm para dar é mesmo deles... Que eu não deixe de acreditar que apesar de tudo vale a pena tentar, descobrir entre muitos um, que acredite em valores de integridade, que acredite na alma e não no celofane que a embrulha... Como no BDSM, só há uma maneira de estar vivo - a sentir!!!



"Winners don´t quit and quitters don´t win! / Os vencedores não desistem e os desistentes não ganham!"

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

DATA

Tempo de solidão e de incerteza
Tempo de medo e tempo de traição
Tempo de injustiça e de vileza
Tempo de negação.

Tempo de covardia e tempo de ira
Tempo de mascarada e de mentira
Tempo de escravidão.

Tempo dos coniventes sem cadastro
tempo de silêncio e de mordaça
Tempo onde o sangue não tem rasto
Tempo de ameaça.


in "Livro Sexto"
Sophia de Mello Breyner Andersen

O MASOQUISMO FEMININO

“(…) Na edição do livro de Kraft-Ebing (“Psychopathia Sexualis” 1899) explica-se peremptoriamente que se o masoquismo sexual é menos raro na mulher isso deve-se à sua predisposição erótica, a qual tende para a subordinação e sujeição. É assim que o homem a quer. O ritual da galanteria, onde ela se pode fazer desejar, seria uma recompensa para a mulher, antes de se oferecer ao macho. Em última análise, seria uma prova de resistência e de força do homem, que, assim, revelaria a sua potência, oferecendo-se em vassalagem e sabendo ao que ela se refere. Para Kraft-Ebing, um traço tipicamente feminino seria a busca de tormentos que ela se inflige por demissão. Mencionam, como igualmente típicos na mulher, o reconhecimento das suas faltas nas disputas conjugais, a sua dependência, bem como a dificuldade de descarga completa da sua tensão sexual. (…)
Seria no entanto lamentável concluir pela inutilidade do conceito de masoquismo feminino. (…)
Pichon-Rivière (1994) propõe como exemplo de masoquismo feminino o da prostituta. Porque motivo dá ele exactamente este exemplo patológico se a prostituta vive das experiências de masoquismo moral: risco de encontros com homens violentos, desagradáveis, que a desprezam ou podem transmitir-lhe doenças sexualmente transmissíveis; posição social marginal e, por vezes, masoquismo sexual? A prostituta tem prazer na medida em que não goza sexualmente, em que o cliente é um intruso impotente, incapaz de seduzir uma mulher. A dependência caricatural em relação ao proxeneta corresponde ao masoquismo moral: rupturas e fugas para ser maltratada.
Penso que o masoquismo feminino se traduz aqui na escolha de uma sexualidade marginal em que o sexo é omnipotente. Pichon-Rivière faz alusão à revolta contra a família. A passividade feminina emerge aqui como um emblema; o sexo, como um objecto ultilitário, que compensa pelo dinheiro o nível do masoquismo feminino. A privação do prazer de que ela contudo dispõe (o ardor do cliente) surge então como um traço pertinente deste masoquismo.
Mas porque é que uma mulher haveria de aproveitar todas as oportunidades eróticas que se lhe apresentam, sem distinção, sem se permitir a rejeição ou sequer a repugnância? Este masoquismo manifesta-se, segundo Freud, no quadro do que é essencialmente feminino. Citarei o caso de mulheres estéreis, que procuram por múltiplos meios ter um filho, com frequência à custa de grandes sacrifícios, exames penosos, operações extenuantes, e que, quando todos esses meios se revelam ineficazes, voltam a recorrer a eles. A perda do seu equilíbrio parece-lhes justificar-se. A vida do casal sofre com isso. Tudo gira em torno de uma esperança por vezes magra. Os novos métodos de procriação, tão úteis, fazem-nos descobrir a extensão do problema. O masoquismo não é aqui menos enigmático. Desejo de apaziguar uma depressão, necessidade de se reparar, de consolar a mãe que a mulher abandonou para investir num marido?”

In
“Pequeno Tratado das Perversões Morais”
Alberto Eiguer
(1997)