domingo, dezembro 05, 2004

Les Chansons de Bilitis

“(…)
Quando sentiu que já só a retinham em Mitilene dolorosas lembranças, Bilitis empreendeu uma segunda viagem, dirigiu-se a Chipre, ilha grega e fenícia como a própria Panfília, que deve ter-lhe recordado com frequência o aspecto da sua região natal. Foi ali que Bilitis, pela terceira vez, recomeçou a sua vida, e agora duma forma que me será mais difícil fazer admitir sem lembrar, mais uma vez, a que ponto o amor era coisa santa no seio dos povos da Antiguidade.
As cortesãs de Amatunte não eram, como são as nossas, criaturas em decadência, exiladas de toda a sociedade mundana; eram jovens provindas das melhores famílias da cidade. Afrodite fizera com que fossem belas, e elas, por seu turno, agradeciam à deusa, consagrando ao serviço do culto a sua beleza reconhecida. Todas as cidades, como as de Chipre, que possuíam um templo rico em cortesãs, tinham para com estas mulheres os mesmos cuidados respeitosos.
A incomparável história de Frineia, tal como Ateneu no-la transmitiu, poderá dar uma ideia dessa veneração. Não é verdade que Hipérides tenha precisado de a pôr nua, a fim de aplacar o Aerópago, e no entanto era grande o crime: ela fora culpada de assassínio. O orador apenas rasgou a parte de cima da túnica de Frineia, pondo-lhe à mostra os seios. E suplicou aos juízes “que não matassem a sacerdotisa e a inspirada de Afrodite”. Contrariamente às outras cortesãs, que saíam vestidas de cíclades transparentes através das quais se revelavam todos os pormenores dos seus corpos, Frineia tinha o costume de até o cabelo envolver num desses grandes vestidos pregueados de que as figurinhas de Tânagre conservaram a graça. Ninguém, não sendo os seus amigos, vira os seus braços ou os seus ombros, e nunca ela aparecia na piscina dos banhos públicos. Mas um dia deu-se uma coisa extraordinária. Era o dia dos festejos de Eleusis; vinte mil pessoas, vindas de todas as regiões da Grécia, encontravam-se reunidas na praia, quando a certa altura Frineia avançou para junto das ondas; despiu-se, desfez a cinta, retirando até a túnica interior, “desenrolou todos os cabelos e entrou no mar”. E nesta multidão estava Praxíteles, o qual, com base nessa deusa viva, desenhou a Afrodite de Cnido.”



"As Canções de Bilitis/ Bucólicas em Panfília"
Pierre Louÿs (1894)

1 comentário:

Anónimo disse...

A beleza existe e subsiste envolta nas mais dispares vestes.
Cada personagem carrega a sua até que alguem a consiga vislumbrar.....