sexta-feira, junho 01, 2007

DIA DE ANOS

Hoje faço anos, não jantei e estou sózinha em casa - que perfumei - em silêncio, sem ter jantado ainda.
Estou sózinha em casa por opção: tive três convites para jantar a dois; recusei.
Ainda não comi por opção, não me apetece o trabalho de mastigar e engolir sem vontade.
Em silêncio porque me sinto assim - surda-muda num dia que devia ser de cantos e risos.
Ultimamente olho as pessoas e não as escuto, fico perdida no meu mundo dentro da minha cabeça-alma; sinto-me a miúda perdida no "Babel" - grande filme que me marcou imenso e recomendo.
Hoje, mais que nunca, sou a miúda japonesa, surda-muda, do filme "Babel"...

Tenho retida na memória uma frase de há muitas décadas atrás, que dizia "chora sobre a vila, como chora no meu coração", em francês.
Hoje chora só no meu coração - lá fora há uma lua cheia gigante sobre uma praia feliz sem gente.
Uma praia minha, a trinta passos da minha varanda onde já fui tão feliz - na varanda e na praia...
Faço 43 anos e é difícil pensar na parte metafísica destes 43 anos, porque hoje sou surda-muda.
Na alma são os quinze da adolescência, de acordar cedo porque é o nosso dia e vamos ter prendas e elogios. Hoje tive prendas e elogios especiais e dezenas de sms e mails de parabéns - mas não chegou para eu dizer a palavra que me tiraria da mudez.

Lembro-me de prendas especiais que me marcaram a vida: uma boneca Nancy nos anos ´70, uma lista de vinis nos anos ´80, um colar de pérolas de água doce nos anos ´90, um cavalo-marinho embalsamado no virar do século... Tudo coisas pequeninas e tão importantes. A dádiva de quem nos faz especial é o maior elogio de todos.
Já quis ter filhos de dois homens - para um homem (se eu fosse homem) devia ser esse o maior elogio de todos; há outra maneira de ser mais especial, do que ser imortalizado?
Tenho uma prima mais velha que eu, que há uns anos tentava explicar à filha de vinte anos que a Morte não era o fim, e dizia-lhe "Filha, eu nunca vou morrer, porque estou aqui neste bocadinho de pele nas tuas mãos, na tua testa, nos teus braços, nos teus olhos, em cada célula do teu corpo, eu estou lá, estarei para sempre, jamais nos separarão!".
Dar um filho a um homem é eternizá-lo, fazê-lo importante ao ponto de ter descendência que o vai fazer especial ad eternum, enquanto houver gerações seguintes naquela família.

Eu não tenho filhos e adoraria ter tido, mas não aconteceu.
Jamais serei eternizada na pele de uma criança - tatuagem indelével na alma.
Lamento, mas se vier a ter posses financeiras, adoptarei uma ou duas ou três crianças para lhes emprestar não as minhas células mas o meu amor - o segredo não é a pele apenas, mas o que se faz à pele - os carinhos e ternuras, o cheiro a bebé ou o adolescente com borbulhas...
Talvez por não ter filhos seja tão maternal e trate os homens como uma parte de mim - que todos acabamos por ser uma parte de todos, diga-se.

Já vivi mais de metade da minha vida e não sei se gostei.
Odeio arrepender-me, e aconteceu duas vezes até hoje; apenas duas vezes.
Suponho que vivi bem.

Mas também há algo mais e talvez maior por detrás da mulher que faz hoje 43 anos tristes, apenas porque não felizes...
Há a submissa de 43 anos que veste uma saia comprida branca, sem lingerie, e uma t-shirt preta com cinco botões de madrepérola, cabelo apanhado ao alto em rabo-de cavalo e chinelos verdes e pretos nos pés.
Os olhos da submissa são esverdeados mas hoje estão mais verdes, brilhantes, também tristes, magoados - fazem-lhe falta os olhos do seu Dominador, também verdes, também tristes, mas mais vivos. O tal que ela achou ser "o tal" na primeira sessão que tiveram - e ela tinha razão.
A submissa está vestida para o seu Dominador que não vai chegar porque se foi embora e não regressou ainda, talvez nem volte. A submissa não pode chorar pela vontade do Mestre, mas a Mulher pode e fica triste por o Dominador não entender que em cada submissa há a vontade de uma mulher, latente, prestes a rebentar se não for acalmada.

Sou uma submissa que faz hoje 43 anos.
Estou em casa, em silêncio, ainda sem jantar - a alimentar-me de memórias e desejos que jamais realizarei e vim aqui, de alma nua, partilhar com quem me lê - amigos e inimigos.
Uma pessoa é risos e folia num dia, tristeza e ausência de alegria no outro; uma mulher de 43 anos e uma submissa de 43 anos também são pessoas; os Dominadores, Mestres e Donos também.
É tão dificil viver.
Estou tão cansada.
Acho que vou dormir e acordar mais velha, mais Mulher e mais submissa.
Afinal, algum sentido a Vida terá, não?

3 comentários:

Inês Ramos disse...

Vim agora do shopping, onde tudo é tão artificial como um bolo de noiva... E levo esta chapada de realidade... Ás vezes é dificil dizer por palavras aquilo que só se consegue exprimir na ternura de um beijo dado com meiguice e um abraço daqueles que nos fazem sentir vivos.

Anónimo disse...

Um beijinho, submissinha querida. Estou longe, mal comunicamos alguma vez, e sempre foi via mail, mas de volta e meia venho aqui saber notícias tuas. Um beijo terno de um dominador lisboeta.
José A.

Sabina disse...

Parabéns, Muito atrasados :-(

Espero que a frase: a intenção é que conta que se adapte aqui.

Desejo-te sinceramente tudo de bom :-)

Beijinhos