quinta-feira, setembro 22, 2005

A dor como uma sensação

"Os primeiros modelos da dor descreviam-na num enquadramento biomédico, como resposta automática a um factor externo. Descartes, talvez o primeiro escrever sobre a dor, via-a como resposta a um estímulo doloroso. Descreveu uma via directa da fonte da dor (ex.: um dedo queimado) até uma área do cérebro que detecta a sensação dolorosa. Von Frey (1895) desenvolveu a teoria da especificidade da dor que, uma vez mais, reflectiu este modelo muito simples de estímulo-resposta. Ele sugeriu que existem receptores sensoriais específicos que transmitem o tacto, o calor e a dor, sendo cada um destes receptores sensível a um estímulo específico. (...) Numa visão semelhante Goldschneider (1920) desenvolveu outro modelo de dor chamado teoria do padrão, sugerindo que os padrões dos impulsos nervosos determinavam o grau de dor e as mensagens da área ferida eram enviadas directamente para o cérebro através destes impulsos nervosos. Portanto, estes três modelos de dor descrevem a dor do seguinte modo:
  • Os danos nos tecidos provocam a sensação de dor.
  • A psicologia só está envolvida nestes modelos relacionados com a consequência da dor (ex: ansiedade, medo, depressão), não tem qualquer influência causal.
  • A dor é uma resposta automática a um estímulo externo. Não há lugar para a interpretação ou moderação.
  • A sensação de dor tem uma única causa.
  • A dor foi classificada como dor psicogénica ou dor orgânica. A dor psicogénica era considerada um produto da mente dos doentes, rótulo dado à dor quando não se encontrava nenhuma base orgânica. A dor orgânica era considerada como dor verdadeira, rótulo dado à dor quando podia ser claramente vista uma lesão.

A Psicologia nas teorias da dor

Ao longo do séc.XX, a Psicologia viria a desempenhar um papel importante na compreensão da dor: a)Observando que os tratamentos médicos para as dores só funcionavam para o tratamento de dores agudas (de curta duração) e nao das crónicas (longa duração), concluiu-se que havia mais alguma coisa envolvida na sensação de dor que não estava incluída nos modelos simples de resposta ao estímulo. b) Observou-se que indivíduos com o mesmo grau de lesão dos tecidos diferiam nos seus relatos da sensação dolorosa e/ou respostas dolorosas (II Guerra Mundial). Beecher (1956) sugeriu que isso reflectia que o significado do ferimento desempenha um papel na experiência de dor; para os soldados, o ferimento tinha um significado positivo, pois indicava que a sua guerra tinha terminado. Este significado mediava a experiência da dor. c) A dor do membro-fantasma. 5 a 10% dos amputados têm tendência a sentir dor no membro ausente, que pode piorar após a amputaçãoe pode continuar após a cura completa. A dor do membro-fantasma não possui nenhuma base física, pois o membro está ausente. Nem todos a sentem eos que a sentem não a experimentam no mesmo grau. Conclusão: há variações de dor entre os indivíduos.

Teoria do portão de controlo da dor

Melzack e Wall (1965, 1979, 1982) desenvolveram a teoria do portão de controlo da dor, numa tentativa de introdução da Psicologia na sua compreensão. Sugere que, embora a dor possa ainda ser compreendida em termos de uma via estímulo-resposta, esta é complexa e mediada por uma rede de processos interactivos. Assim, esta teoria integrou não só a Psicologia no tradicional modelo biomédico da dor, como descreveu não só um papel para as causas e intervenções fisiológicas, mas também para intervenções e causas psicológicas.

Entrada de informação no portão

Melzack e Wall sugeriram que existia um portão ao nível da medula espinal que recebia informações das seguintes fontes:

  • Fibras nervosas periféricas - o local da lesão envia para o portão informação sobre a dor, pressão ou calor.
  • Influências cerebrais centrais descendentes - o cérebro envia para para o portão informação sobre o estado psicológico do indivíduo, podendo reflectir o seu estado comportamental (ex: atenção, foco na fonte de dor), o estado emocional (ex: ansiedade, medo, depressão), as suas experiencias ou auto-eficácia anteriores (ex: "já tive isto antes e sei que vai passar").
  • Fibras longas e curtas - estas fazem parte da informação relativa à percepção da dor.

Saída de informação no portão

O portão integra todas as informações destas diferentes fontes e produz uma saída de informação. Essa informação que sai do portão é enviada para um sistema de acção de que resulta a percepção da dor. Assim, o que abre o portão - quanto mais aberto está maior é a percepção da dor - são factores físicos, emocionais e comportamentais. Por outro lado, o que fecha o portão, reduzindo significativamente a percepção da dor, segundo Melzack e Wall, serão factores físicos, emocionais e comportamentais - embora no primeiro caso negativos, neste positivos.

Os factores psicossociais na percepção da dor

A teoria do portão de controlo da dor foi um desenvolvimento de teorias anteriores na medida em que permitiu a existência de variáveis mediadoras e realçou a percepção activa em vez da sensação passiva. A teoria do portão de controlo e as subsequentes tentativas de avaliar as diferentes componentes da percepção da dor reflectem um modelo dos três processos da dor. Os componentes deste modelo são os processos fisiológicos , subjectivos-afectivos-cognitivos*** e comportamentais. Os processos fisiológicos envolvem factores como lesões de tecido, libertação de endorfinas e mudança no ritmo cardíaco.

  • *** Processos de aprendizagem: 1) Condicionamento Clássico 2)Condicionamento Operante
  • Ansiedade
  • Neurose
  • Estado Cognitivo
  • Processos Comportamentais

Desenvolvimentos recentes na teoria da dor

Tem aumentado o interesse pelo papel das cognições da percepção da dor. A investigação tem enfatizado particularmente o papel da auto-eficácia na percepção e redução da dor. Turk (1983) sugeriu que uma maior auto-eficácia relativa à dor podia podia ser factor importante na determinação do grau de percepção da dor. Além disso, o conceito de locus de controlo da dor foi desenvolvido para enfatizar o papel das cognições individuais na percepção da dor (Manning e Wright, 1983; Dolce, 1987; Litt, 1988). Nestes modelos, o papel dos estímulos no mundo exterior é menor e a dor é cada vez mais considerada uma consequencia do autocontrolo e da auto-regulação. Daqui que o controlo e redução da dor sejam discutidos em termos de estratégias cognitivas. (...)"

in "Psicologia da Saúde"

Jane Ogden (1999)

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