quarta-feira, abril 01, 2009

«Sossegar não é descansar — não é uma consequência do cansaço. Quando Rebelo da Silva, citado por Moraes, que por sua vez cita o dicionário de Freire, diz ‘O coração não sossega, a vida cansa’, ambas as coisas são verdadeiras, mas a associação é enganadora, porque o coração não sossega por causa de a vida cansar. Há cansaços bons. Não. O coração não sossega, porque não tem com que sossegar. (...)Quando aparece um amigo sem avisar, interrompendo tudo o que se tencionava fazer, sossega-se. Quando se está a lutar contra a injustiça e a maldade, com todas as forças que se tem, sossega-se. Quando se acredita em Deus. Isso, sim, é sossegar. Gosto de ‘sossegar’ como verbo transitivo. Sossegar só por si não chega. É mais bonito sossegar alguém. E não é adormecendo ou tranquilizando, em jeito de médico a dar um sedativo, que se sossega uma pessoa. É enchendo-lhe a alma de amor, confiança, alegria, e tudo o mais que é o presente a tornar-se, de repente, futuro. É o futuro que sossega. ‘Amanhã vamos passear’ sossega mais que ‘Não te preocupes’ ou ‘Deixa lá, que eu trato disso’”.»


Miguel Esteves Cardoso,
Explicações de Português, Assírio e Alvim, 2001

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