segunda-feira, novembro 08, 2004

Diferente, uma coisa preciosa…

“(...) Só na sexualidade é que o milionésimo de diferente aparece como uma coisa preciosa, porque não é publicamente acessível e tem de ser conquistado. Ainda há meio século, este tipo de conquista exigia que se lhe dedicasse muito tempo (várias semanas e, às vezes, alguns meses) e o valor do objecto conquistado era proporcional ao tempo consagrado à sua conquista. Mesmo nos dias que correm, embora o tempo da conquista tenha diminuído consideravelmente, a sexualidade é para nós como que o cofrezinho das jóias onde se encontra guardado o mistério do eu feminino.
Não era, portanto, de forma nenhuma, o desejo da volúpia (a volúpia aparecia por assim dizer como brinde), mas o desejo de se apoderar do mundo (de abrir com o bisturi o corpo jazente do mundo) que o fazia andar atras das mulheres.”

In “A Insustentável Leveza do Ser” (1983)
Milan Kundera


6 comentários:

Ricardo Simaes disse...

Um primeiro encontro é sempre um primeiro encontro. A primeira vez é sempre a primeira vez. Há coisas que nos marcam. "A Insustentável Leveza do Ser" é O LIVRO para mim... Cheguei aqui e deparei com o bisturi imaginário do Thomas. Não poderia ter existido primeira vez mais marcante. Foi perfeito...

Ps - Se n te importares, vou escrever mais comments sobre este post... Adoro mm o livro... Acho q está lá quase tudo...

Ricardo Simaes disse...

"Encontravam-se de pé à frente do espelho. Era sempre aí que se despiam e espiavam as suas imagens. Sabina estava em roupa interior com o chapéu de coco na cabeça. De repente, percebeu que estavam ambos excitados com o quadro. (...) Quando olhou para o espelho, primeiro não viu senão uma situação burlesca; mas, depois, o cómico foi afogado pela excitação: o chapéu de coco deixara de funcionar como um gag e passara a significar violência; violência sobre Sabina, sobre a sua dignidade de mulher. Via-se a si própria com as pernas nuas e as cuecas quase transparentes através das quais o triângulo do sexo se lhe apercebia. A roupa interior sublinhava o encanto da sua feminilidade; o chapéu, masculino, de feltro rígido, negava-a, violava-a, ridicularizava-a. Thomas encontra-se a seu lado, todo vestido, o que contribuía que se lhes ia descobrindo aos dois no espelho não se revelasse, afinal, como um gag (...), mas como uma cena de humilhação. Em vez de rejeitá-la, Sabina representava-a, provocante e orgulhosa, como se se deixasse violar em público; por fim, quando já não podia mais, empurrou Thomas e arrastou-o consigo para o chão."
Milan Kundera - "A insustentável leveza do ser"

ps - misslibido, eu sei que isto quase parece mais um post do q um comment, mas adoro esta passagem... ;)

naodigo disse...

hum.. pareçe-me que arranjei mais um livro para ler:))))

Ricardo Simaes disse...

Acredita Shortbow, que este é um daqueles livros que, na minha opinião, é incontornável. :)

Anónimo disse...

"Lembra-te, tudo é relativo — ou devia ser. Se não é, temos de começar outra vez." Woody Allen, in Sem Penas

Anónimo disse...

"Agora ficaremos ambos sós, e não conseguirei fazer-te compreender.
- Não quero tornar-te as coisas mais fáceis - disse eu. - Acho que vais despedaçar o coração, mas compreendo."

Evelyn Waugh, Reviver o Passado em Brideshead