quarta-feira, maio 14, 2014

Filhas de um deus maior...

"Lisístrata é o nome de uma comédia anti-guerra escrita por Aristófanes em 411 a.C..
Na época em que foi escrita, Atenas atravessava um período difícil de sua história. Abandonados por seus aliados, os atenienses tinham ao redor das muralhas de suas cidades as tropas de Esparta. Essa luta fratricida enfraquecia a Grécia, pondo-a à mercê dos Persas. A peça de Aristófanes, faz uma crítica severa a essa guerra, envolvendo as mulheres das cidades gregas na Guerra do Peloponeso, lideradas pela ateniense Lisístrata, que decidem instituir uma greve de sexo até que seus maridos parem a luta e estabeleçam a paz. No final, graças às mulheres, as duas cidades celebram a paz."
Origem: Wikipédia


"LISÍSTRATA" E A SALVAÇÃO PELO SEXO

Marcos Diamantino



Para tentarmos compreender, nas entrelinhas, a comédia “Lisístrata”, de Aristófanes, convém conhecer o contexto social e político da época em que a peça foi criada: a Atenas do ano 411 a. C. Nesse período estava em curso a Guerra do Peloponeso que, segundo a Professora e Historiadora Margarida Maria de Carvalho, no artigo “A Mulher na Comédia Antiga: a Lisístrata de Aristófanes”, era “considerada como uma guerra entre dois sistemas divergentes: o sistema democrático de Atenas versus o Sistema Oligárquico de Esparta”. A autora afirma que Aristófanes era um crítico contumaz dessa guerra e, portanto, da democracia que permitia tal conflito. A teórica Giselle Moreira da Mata, no artigo “Entre Risos e Lágrimas: uma Análise das Personagens Femininas Atenienses na Obra de Aristófanes”, amplia essa aludida visão crítica de Aristófanes ao citar Freire (1985) para quem o comediógrafo era conservador ao revelar “hostilidade às inovações e a todos os homens responsáveis por elas”. Giselle recorre à contribuição do teórico Acker (2007), segundo o qual Aristófanes “foi defensor do passado de Atenas, dos valores democráticos tradicionais, das virtudes cívicas e da solidariedade social”, usando para a manutenção dessa tradição a sátira violenta.
“Lisístrata” foi escrita no período democrático de liberdade ateniense sendo aceitável a crítica aos problemas sociais e políticos. Por isso faz parte de um subgênero chamado de Comédia Antiga. Após a derrota sofrida por Atenas na guerra, surge a Comédia Nova cujas críticas, de acordo com a autora Giselle Moreira da Mata, caracterizam-se mais por “intrigas privadas e íntimas”. “Lisístrata” nesse sentido pode ser considerada a tentativa de Aristófanes, através da dramaturgia, de evitar a derrocada da sociedade ateniense anterior, que considerava ideal.
A comédia, assim como o teatro grego, nascendo da adoração a Dionisio, deus do vinho e das festas, com destaque para as manifestações falocêntricas, era um género muito popular na Grécia. Considerado, o principal comediógrafo antigo, Aristófanes poderia supor que “Lisístrata”, dada à sua penetração haveria de causar um clamor popular, revertendo as ameaças à democracia ateniense.
Como a sexualidade é factor determinante na cultura universal e sempre desperta o interesse dos povos, desenhou-se o tema propício para uma peça de grande apelo popular. “Lisístrata” apresenta como conflito a greve de sexo proposta por esposas legítimas numa espécie de chantagem para obrigar os maridos a terminarem com a guerra. Para a autora Giselle Mata, outros factores de atracção da peça são “os recursos cómicos: situações ridículas, caricaturas de personagens reais, ironias, trocadilhos e mal-entendidos”. As frases de duplo sentido permeiam todo o texto. Numa cena, o comissário sugere a um artesão que passe em sua casa para alargar a sandália da esposa sugerindo um dupla conotação. As cenas episódicas, independentes, são também uma estratégia para enriquecer o texto.
O Professor Marcos Mota, da disciplina de Teatro da UnB, ressalta, no entanto, os objectivos sérios por trás das peças cómicas. “São, na verdade, paratragédias, ou seja, peças cômicas que se organizam em função da tragédia”.
Os estudos propostos pelos teóricos sobre a condição feminina na Grécia Antiga colocam em dúvida o objectivo de levar a sociedade ateniense a discutir o papel da mulher. A autora Giselle da Mata cita Nikos A. Vrissintzis, autor de “Amor, Sexo e Casamento na Grécia Antiga”, para quem a mulher só adquiria alguma importância através do casamento. Fora do ambiente doméstico, segundo Nikos, quase tudo era proibido para a “esposa legítima”, como participar da política, da cultura e da vida social. Havia restrições até no ambiente familiar, sendo proibido às mulheres, fazer refeições à mesa com o marido. Além disso, havia na Grécia antiga, outras classes de mulheres que não fariam greve de sexo com seus maridos pelo simples fato de não tê-los: eram as concubinas, as cortesãs, as prostitutas e as escravas.
Na verdade, “Lisístrata” critica a todos, inclusive os tragediógrafos. Numa cena, um velho ironiza as tragédias quando diz: - “Não há ninguém mais inteligente que os autores de tragédias. Eles é que têm razão. Pode haver criatura mais sem vergonha que a mulher?”.
A hipótese de que “Lisístrata” poderia contribuir para diminuir a submissão da mulher iria contra a crença de Aristófanes de que a sociedade ideal é a do passado. Os compositores Chico Buarque de Holanda e Augusto Boal, com a letra “Mulheres de Atenas” tornaram popular, através de uma música, o perfil submisso da mulher ateniense: “mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas/ geram pros seus maridos, os novos filhos de Atenas/ Elas não tem gosto ou vontade / nem defeito nem qualidade / tem medo apenas”.
O conceito de salvação através do sexo feminino, presente em “Lisístrata”, aparece sob outra óptica na música “Geni e o Zepelin”, da “Ópera do Malandro”, baseada na “Ópera dos 3 Vinténs”, de Bertolt Brecht. A composição de Chico Buarque alude à mulher de comportamento sexual livre, criticada pela sociedade, e que é obrigada a se entregar sexualmente a um conquistador para salvar a cidade. Antes de se voltar novamente contra Geni, a moralista e hipócrita sociedade a incentiva a servir ao conquistador: “vai com ele, vai Geni / você pode nos salvar / você vai nos redimir / você dá pra qualquer um / bendita Geni”.
Quando em “Lisístrata”, usa-se a sexualidade feminina, mesmo no caso da greve de sexo, para a obtenção da Paz, amplia-se, de certa forma, o preconceito de mulher como objecto sexual. Hipoteticamente, a mulher poderia obter os mesmos resultados se participasse da política ateniense, por exemplo. É possível concluir que, Aristófanes, em busca de seus objectivos, acaba, de fato, explorando a mulher e sua condição submissa na Grécia antiga.


in http://diamantinoarts.blogspot.pt

1 comentário:

Cunnus disse...

É tão bom ver que, para alguns, o tema do erotismo não está contaminado de do corriqueiro e põe-e-tira, mete-e-saca. Causa-me profunda tristeza ver que, para a maioria das pessoas, a erótica se limita exclusivamente ao acto sexual da penetração.
Sou de letras, escrevo literatura erótica de uma forma muito sentida e, infelizmente, muito descontinuada. Mas gosto de a viver e de a pensar e fico muito feliz quando encontro alguém que não pertença ao mainstream, independentemente de termos gostos semelhantes ou não.
Conhecia esta peça de Aristófanes, gosto particularmente de Chico Buarque e da "Ópera do Malandro" que canto de cor e salteado desde os meus 8 anos.
Gostaria de te convidar a visitar o meu blog, cunnus.blogspot.pt e ficaria muito contente com um comentário sobre os meus textos, se não fosse pedir demais.