Finalmente voltei à piscina depois de mais de um ano de preguiça...
Hoje acordei triste e apeteceu-me ir à piscina!
A água é o meu elemento - liberta-me, solta-me, faz-me deixar ir!
Acho que a meio da vida toda a gente ganha o direito, imposto, aos seus fantasmas, e que estas quadras festivas fazem regressar os esqueletos a arrastar as correntes.
Geralmente releio "Um Conto de Natal", de Dickens, nesta altura e comovo-me sempre, embora os olhos e a alma que o absorvem nao sejam os mesmos, de ano para ano... A cada segundo que passa, somos novas pessoas - com outros olhos e outras almas, com outras sensações na palma das mãos e na ponta dos dedos. Somos mutantes, na verdade e isso é que é crescer, amadurecer e envelhecer. Não o envelhecimento negativo, mas o mudar de idade e de pele todos os dias, que assusta mais pelo que sentimos de novo do que pela decadência fisica, julgo eu.
Sinto-me todos os dias assustada com o que sinto de novo. Porque todos temos medo do desconhecido e porque todos temos a pretensão de nos conhecermos a nós próprios melhor do que ninguém, o que é uma redonda mentira... Passamos a vida toda a não saber quem somos, onde pertencemos, onde devíamos estar, o que devíamos fazer... o que sentir!
Acordei hoje sem saber o que sinto!
Sonhei com um homem vestido de mulher e de strapon erecto e acordei estremunhada. Senti-me estremunhada e estou triste porque nao sei o que sinto.
O que sonhei relacionou-se com uma conversa sobre BDSM que tive de madrugada, sei-o bem; entre amigos, várias teorias e várias conclusões sobre factos de BDSM. Mas podia ser sobre outra temática qualquer.
Questionava-se se, quando por definição um submisso se deve abnegar de si para realizar o seu Dominador, se esse submisso não conseguir, por exemplo, deixar de se apaixonar por quem idolatra e a quem serve, deixa de ser submisso... Tendo em conta que, também por definição, uma relação D/s "eficaz" implica um Dominador que consegue isolar os sentimentos para com o objecto da sua Dominação, fria e calculista, abrindo caminho ao seu instinto primário e egoísta.
Nessas premissas, se um submisso - "contra toda a ordem natural das coisas" - se apaixonar pelo seu Dominador, revela não ser submisso? E se for ao contrário? Se um Dominador nao conseguir deixar de se apaixonar por um submisso, também perde o seu estatuto? Tudo isto na linha de raciocínio que diz que, quando apaixonados, nos amolecemos por dentro e por fora e só queremos ser "o tal" para o outro...
Mas levantamos mais questoes, práticas, sobre sessoes que incluam um "sub descartavel" por exemplo - um casal D/s que inclui um submisso de ocasião para uma cena de momento apenas. Defendo que o/a Dom/Domme devem começar por criar igualdade de circunstancias a ambos os subs, independentemente do seu lugar relativamente ao Dom, para evitar a "competição".
O sub "da casa" e o "sub de visita" quando a competir apenas conseguem representar uma situação ideal, mas será que a sentem, se não lhes for instintivo?
Um Dom quer uma situação "representada" em BDSM, ou não procuramos todos a libertação dos sentidos e a liberdade de sentir num esforço de equipa?
Sempre e eternamente... o sentir!
Falo desta mutação diária, deste não conseguir deixar de pensar e questionar, desta incrível falta de leveza no ser que não nos deixa levantar voo, arrastados às tais correntes que nos fazem ter os pés na Terra.
Debaixo de água, a deslizar de olhos abertos, não sinto as correntes nem Dickens nada comigo - nao há som e não há pressa, há paz!
O regresso à barriga da mãe, quando tudo era simples...
Esta certeza do calor bom da massa tépida da placenta que sinto debaixo de água.
Esse chegar sem partir! Esse azul que faz descansar os olhos, esse branco da água a embater nos cílios, esse momento em que só lá estamos nós, o silêncio e o afago nas costas do líquido que nos diz para ficar lá...
Hoje não sei o que sinto!