quinta-feira, junho 30, 2005

Não sei para onde vou, mas estou a caminho

São cinco da manhã!
Lá fora cai uma chuva levezinha como a não querer acordar quem dorme! Aqui na cidade comemorou-se o S.Pedro! Faz seis anos que mudei a minha vida! Faz dois meses que a minha vida foi mudada! Mais pobre agora e mais rica, talvez...
São cinco da manhã e todos dormem! Eu não!
Faço um elogio fúnebre à vida, mantendo-me acordada.
Horas antes, fui com um desconhecido para um quarto de hotel e em hora e meia fiquei a saber bastante das suas viagens e preferências sexuais, depois do sexo furioso e apressado entre estranhos. Ele veio-se, eu não! Foi bom! Ponto.
Voltei para casa mais só do que saí, mas com as expectativas cumpridas: a partir de certo ponto de ruptura nas nossas vidas, nada é como antes. Tal folha seca num riacho manso, deixamo-nos ir!
São cinco e dez da manhã!
Ontem o ex-marido desligou o telefone a esta hora - estava meio-bêbedo - disse - mas sorriu quando me ouviu rir, porque adorava o meu riso, anos depois de afastados. Sinto-me a bola na roleta do casino - sempre a girar!
Os anos passam, mas a gente, as pessoas, tudo se mantém inalterável, porque vivo na memória. Deram-me há tempos um caderno em cuja capa plastificada se lê "Não sei para onde vou, mas estou a caminho". Continua virgem, como a minha vida, como os meus olhos.
São cinco e treze da manhã!

ML

terça-feira, junho 28, 2005

"E o Tempo deixa cair a sua gota. A gota que se forma no topo da alma acaba por cair. No topo da minha mente, o Tempo deixou cair a sua gota(...) A gota que caiu nada tinha a ver com o facto de estar a perder a juventude. Esta gota mais não era que o Tempo a atingir um certo ponto. O Tempo, que mais não é que um pasto soalheiro aberto por uma luz trémula, o Tempo, que se espalha pelos campos ao meio-dia, fica como que suspenso num determinado ponto. Semelhante a uma gota que cai de um copo cheio, assim o Tempo cai..."

in "As Ondas"
Virginia Woolf
Time is the lens though wich dreams are captured/
O Tempo são as lentes pelas quais os sonhos são capturados
Francis Ford Coppola

- A PERDA DE TEMPO -

Odeio perder tempo!
Em adolescente, o Tempo parecia-me um riacho prestes a secar! Agora sinto que transborda, mas não me dá chance de o agarrar com ambas as mãos, bebê-lo num sorvo de ansiedade...
Sinto que perco tempo sempre que durmo, sempre que acordo, sempre que me dou, me entrego... O eco vem-me devolvido em surdina e não há nada lá - o vazio, o espaço, a eternidade, uma morte dissimulada, adiada!
Falei em entrega, sim...
O Tempo exige entrega, e nessa sou perita - mas vale a pena? Quem a mastiga e cospe não o merece... Quem não a recebe devia ser punido até ficar em sangue, com mil vergastadas dadas com ódio! Quem despreza uma entrega devia ser supliciado e condenado a eremita! Enganar quem se entrega, seja em que aspecto for, é bárbaro, desumano e causa danos...
Quem acredita na raça humana sofre todos os dias, e eu não estou imune porque sou gente com o coração do lado esquerdo! Há quem tenha coração apenas para preencher o espaço, compor o corpo, dizer-se inteiro...
Ninguem imagina como me dói ver gente a perder tempo, a desprezar quem a si se quer dar, a fazer da vida um "pret-a-porter" de tudo; usar e deitar fora; no strings attached; sem amarras... às vezes com um chicote na mão, outras vezes de joelhos...
Quando dou o pouco que tenho fico rica de uma sensação de plenitude, desde que seja bem entregue; quando mal recebido, fica um amargo na boca de que nunca se aprende a gostar, um azedume que... me obriga a perder tempo!
Como agora, talvez!
Como gostaria de estar enganada...
E de ter o coração do lado direito.....


ML

quarta-feira, junho 22, 2005

Dedicado a Paterlómio...

Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada!
Supor o que dirá
Tua boca velada
É ouvir-te já.

É ouvir-te melhor
Do que o dirias
O que és não vem à flor
Das caras e dos dias.

Tu és melhor - muito melhor! -
Do que tu. Não digas nada. Sê
Alma de corpo nu
Que do espelho se vê.


in "A Virgem Negra"
Mário Cesariny

segunda-feira, junho 13, 2005

Era Uma Vez...

Era uma vez...
Um autocarro que fazia diariamente a mesma carreira! Eu seguia nele com prazer, porque o trajecto era simpático e o destino apelativo. Todos os dias passava por zonas degradadas e entravam alguns utentes menos correctos, mas nada de muito grave...
Frequentemente, um dos viajantes usuais, homem dado a alocuções públicas de cariz brejeiro, dirigidas aos utentes com maior ou menor ironia, levantava-se e passava a viagem a causar o riso aos demais com as suas intervenções. Acostumados a ele, os viajantes toleravam-no e a viagem não era prejudicada...
Um dia, um bando de delinquentes entra no autocarro e ofende os demais, decididos a tomar conta do autocarro, à força se necessário; como os habitués daquele trajecto estavam unidos pelo objectivo comum, foram isolados pelo gang, com o intuito conseguido de dividir para reinar. A cena foi deplorável e indiscritível......
Habituados a que o condutor, melhor ou pior, tentasse manter o rumo do autocarro, a comunidade diária do autocarro ainda acreditou que ele tomasse uma posição e se impusesse - talvez travando fundo, ou então acelerando. Mas a desilusão foi total, pois ele nada fez! O bando tomou conta do autocarro, o silêncio desiludido foi uma constante, a viagem deixou de fazer sentido, e alguns passageiros deixaram de viajar naquele trajecto!

Moral da metáfora: A união faz a força!
(ainda que do lado errado da vida)

segunda-feira, junho 06, 2005

A LUA QUE DESPE AS NUVENS...

E o vento.
Leve rocegar da seda
contra os seios.
Virgem e velhaco,
a impôr-se como um tirano.
A discutir com a lua.
E a lua a adorar,
despindo as nuvens sem pudor!
O sexo.
O prazer.
A noite.


Dezembro 2002
ML