sexta-feira, março 18, 2005

O Corpo

"Ali estava o seu corpo adormecido, aninhado no seu descanso, tão quieto, tão presente na luz amarelada, definindo-se pelo seu peso e por aquele estar quieto, todo tomado de luz, sem contorno que separasse corpo e luz, os músculos lisos debaixo da pele, tão escorridos na presença quieta, quase diluídos, ninho de seu próprio descanso, prolongando os lençóis desfeitos e suas curvas frouxas de fadiga, e a cova morna do colchão, e a luz quieta e densa como pele amarela sobre a outra, enchendo o quarto até ao tecto e às paredes, absorvendo em si, como corpos amáveis naquele sono, o candeeiro e a mesa baixa e os livros e as roupas, todo o quarto feito camadas sucessivas de luz e substância variada rodeando o centro, núcleo de respirar muito brando, e a tudo se propagando esse único e muito brando movimento, a pele doirada estendendo-se um pouco, no peito alto, de curva possante e com os seus mamilos quase rosados, e as costas movendo-se também com a mesma unida e certa ondulação da água mansa, as costas bem talhadas, estreitando-se do largo dos ombros até à anca com a rectidão da perna talhada, mas de braço a braço a curva bombeada, alta e suave, que a meio se cava bruscamente como o leito de um rio, e movendo-se ainda o osso da anca, delicado, anguloso, saliente agora de sua habitual discrição no corpo que repousa de lado e se debruça, leve, cavando um pouco a cintura, escondendo o ventre e a densa doçura dos pêlos mornos, e um pouco o sexo, alteando o redondo - no entanto, severo, cinzelado - das duas nádegas estreitas, aparecendo depois o sexo entre as duas pernas que se abrem, uma estendida sobre a cama e a outra levemente flectida, esvaindo-se a coxa da anca alteada até à cama, onde o joelho pousa, e aí segue a perna tão abandonada no lençol que quase o fere com o seu peso e, entre as coxas, renascendo da sombra do ventre escondido, e que se estende como savana cálida, que em si retém o amarelo da luz, na curva nascente das nádegas, nas coxas, nas pernas, entre as coxas o seu sexo, os dois pequenos pomos cuja firmeza se desenha na pele branda e a corola recolhida de seu pénis adormecido.
18/Maio/1971"

in "Novas Cartas Portuguesas"
Mª Isabel Barreno, Mª Teresa Horta e Mª Velho da Costa (1974)

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