quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Perguntas e Considerandos...

"Toda relação BDSM tem um submisso e um Dominador."

Tem mesmo? O que é um submisso? O que é um dominador? A pessoa que se deixa amarrar por outra é submissa? O que ela fez para merecer usar o termo? E a pessoa que a amarra, é um dominador? O que ele fez para merecer usar o termo? Ou são ambos apenas bondagistas, onde nenhuma das partes comanda, ordena, humilha – apenas se dedicam ao jogo das cordas?Vá lá que, semanticamente, os termos se apliquem. Mas em termos de D/s, será que se aplicariam? Onde ficam as posturas de dominação e de submissão? Para onde vão o respeito, a entrega, o desejo de servir e o desejo de ser servido?Não, definitivamente não vejo nem submissão nem dominação aqui. Tampouco vejo "baunilhas apimentados". Vejo praticantes de uma das muitas vertentes do BDSM – o bondage – que optaram por viver apenas esta faceta, sem entrar no jogo de D/s. Serão eles por isso menos BDSMistas do que quem prefere qualquer outra opção do nosso universo? Pelo fato de praticarem um jogo que de fato é menos complexo (psicologicamente falando, porque dominar a arte do bondage não é exatamente uma tarefa simples, como deveriam se lembrar aqueles que tanto criticam essas pessoas) do que o que envolve dominação/submissão, será que merecem um tratamento "secundário"?E quem somos nós, vítimas de tanto preconceito, para sermos também nós preconceituosos com nossos iguais?

"Não tolero subs que dizem que querem isso e não querem aquilo. Isso tira o poder do top. Sub não pode ter vontade"

Que poder? Onde é que está escrito que um sub não tem direito a escolher aquilo que lhe dá prazer? Pois não é o BDSM um jogo entre duas pessoas que interagem em busca da satisfação sexual? Porque um sub não teria o direito de colocar aquilo que deseja, que lhe dá tesão? Onde está o crime nisso? Onde está o desrespeito? Afinal de contas, não estamos todos – tops, bottoms, sádicos, masoquistas, bondagistas – procurando a mesmíssima coisa? Não sonhamos todos em nos realizar sexualmente libertos das amarras das convenções? Não somos todos adultos e conscientes do que queremos? Um dominador pode exigir muitas coisas. Obediência. Fidelidade. Sacrifício. Pode torturar seu submisso, física e psicologicamente. Pode criar regras, pode priva-lo de muitas coisas e recompensa-lo com outras. Mas não pode, sob qualquer pretexto, tirar dele o direito de ter prazer, de sentir tesão, de se sentir sexualmente realizado. De outra forma, melhor faria o sub ficando no mundo baunilha de sempre, porque tanto lá quanto aqui, o resultado seria o mesmo: frustração. E ninguém está aqui atrás de frustração – pelo contrário, queremos, todos, satisfação – uma satisfação que não encontramos "lá fora". Um verdadeiro dominador sabe perfeitamente disso. E sabe trabalhar não apenas com seus próprios desejos, mas também com os desejos do submisso, de forma a que ambos estejam sempre satisfeitos. Se dominar fosse simplesmente dizer não, todas as relações D/s seriam um infalível sucesso. Mas não é; o processo é muito mais sutil, muito mais complexo do que isso. Compreender esse processo é o que torna um dominador, de fato, um dominador – e não meramente dar ordens nem fazer exigências nem negar o direito ao prazer ao sub.

"Switchers não sabem o que querem"

Ah não sabem? Pois como switcher, eu digo em uma palavra o que eu quero: tudo. Quero o melhor dos dois mundos – e pasmem de inveja, eu o tenho. Ainda que não seja adepto do D/s, mas apenas do SM, meu prazer é tão intenso quando assumo meu lado sádico quanto como quando assumo meu lado masoquista. Isso me torna – e aos switchers – um praticante "menor"? Ou, ao contrário, um praticante maior, porque vivencio os dois lados da cena, porque sei o que se passa em duas cabeças ao invés de uma, porque conheço tanto o doce toque do chicote sobre a minha pele quanto o doce toque do chicote sobre a pele alheia?Ou, simplesmente, somos nós, switchers, apenas uma outra vertente do BDSM, que como outras "minorias dentro de uma minoria" ainda enfrentam, aqui, agora, hoje, preconceito dos grandes e intocáveis senhores das verdades incontestáveis?Quem é que deu a alguém o direito de julgar quem quer que seja no nosso próprio meio? Será que não aprendemos, sofrendo a intolerância dos outros, a sermos nós mesmo menos intolerantes? Será que temos que criticar, menosprezar, ridicularizar quem é diferente de nós, sendo nós mesmos tão diferentes dos outros? Será que somos assim tão cegos, tão irredutíveis em nossas próprias convicções, que nos tornamos incapazes de reconhecer que há outros prazeres além dos nossos, prazeres tão válidos e tão intensos quanto os nossos? Será que somos cínicos a este ponto? Será?

"BDSM é coisa séria"

É mesmo. Pelo menos no que diz respeito ao SSC, é muito séria. Fora disso... Fora disso há quem valorize as liturgias. E há quem não dê a mínima para elas. E ambos estão certos, porque, como em tudo o mais, quem opta por uma ou outra coisa se sente bem com aquela escolha. Porque deveríamos todos respeitar as liturgias? Quem escolhe esse caminho tem certamente dezenas de motivos para faze-lo – assim como os têm aqueles que preferem deixar as convenções de lado e praticarem um BDSM menos "sério" – no sentido de serem mais liberais dentro da relação, com direito a conversas entre doms e subs sobre futilidades, troca de piadas, conversa jogada fora... E nenhuma dessas alternativas é menos válida. Nenhuma é melhor nem mais completa nem mais verdadeira do que outra. Elas são simplesmente diferentes – como são diferentes as pessoas que as praticam, e o tipo de relação que construíram para si. Querer julgar isso, querer condenar uma ou outra, é simplesmente uma atitude detestável, porque tenderia à homogenização forçada. O que, se não me falha a memória, define muito bem o papel de um certo alemão chamado Adolf. Exagero? Não sei – só sei que quando um grupo resolve assumir que a "sua" verdade é "a" verdade, o próximo passo, inevitavelmente, será tentar converter todos os outros grupos à sua própria visão de mundo – seja por meios pacíficos ou não. Particularmente, é um risco que prefiro não correr.

Texto de Hélio Paschoal - co-fundador e colaborador do site Desejo Secreto www.desejosecreto.com.br

4 comentários:

Anónimo disse...

Bem, o que eu tenho a dizer sobre este assunto é que para sermos respeitados como um grupo, temos que ser nos os primeiros a respeitarmo-nos. Assim, nao nos podemos menosprezar pelo aquilo que somos.

Nao vejo o BDSM como uma "caça de titulos", mas a busca do prazer. E ai cada um faz aquilo que gosta e se sente preparado.

Desta forma ninguem é superior a outro pelo facto de ser Dominador, submisso, switcher, fetichista. O prazer começa por ser consensual a partir do proprio individuo nao ter receio em afirmar-se do que realmente é. E a descoberta de cada um é individual, nao tem que se fazer por uma regra imposta.

Anónimo disse...

Belíssimo texto...como sempre...
Chapeau ao Senhor.
Chuac!

Anónimo disse...

"Toda relação BDSM tem um submisso e um Dominador."

?!?!?!
BDSM para a maioria dos que entendem o que isto significa, considera no mínimo as 3 disciplinas básicas:

BD - Bondage e Disciplina
D/s - Dominação/submissão
SM - Sadomasoquismo

Bem, ou estamos muito enganados, ou apenas a segunda tem um dominador e um submisso. Os outros, tem activos e/ou passivos, ou um top e um down, ou simplesmente switchers.

Quando se estrutura os conceitos, como acabei de fazer, quer-me parecer que se consegue entender e explicar o que são alhos e bugalhos. De resto, so me faz lembrar a mais loira das minhas amigas totalmente morenas, que um dia me disse "gosto de sagres mas nao gosto de cerveja", ou do cartoon puto com uma t-shirt da superbock muito divertido quando descobriu que a superbock também fazia cerveja...

Há questões demasiado tolas para serem comentadas. Por acaso, neste caso até a resposta do nosso amigo me pareceu ainda mais confusa...
As perguntas/comentários são um pouco tipo "BDSM for dummies", pelo que a segunda até me faz doer os dentes e nem comento. Mas valeu por fomentar alguma discussão, pois pelo debate ao menos se aprende alguma coisa.

"Switchers não sabem o que querem"

Ora, mais uma vez, isto apenas faz sentido contestar no domínio da D/s profunda, ou seja em elevados níveis de D/s como sendo 24/7 TPE. Ninguém que vive profundamente e permanentemente o desejo de se sentir dominado ou dominante envereda pelo Swicher. O swicher diz respeito a situações de "role-play" em que "bora lá brincar a tu mandares, a seguir mando eu, ai que divertido".

Obviamente o um swicher tem toda a dignidade em BDSM, mas falamos, obviamente de um swicher é ora top ora down, e nao ora sub ora Dom. Dar com um chicote nao faz do "artista" um dominador. Levar com ele tambem não faz do artista um sub. No máximo faz dele um sadico ou um masoquista, e no caso de um Swicher, faz dele um sadomasoquista.

Amarrar alguem, nao torna um Dominador, nem o outro submisso, caramba. Mas será que não se entende que a D/s é totalmente diferente do BD e do SM? Pois, é que o verdadeiro D/s passa despercebido, ou convém passar despercebido. É facil ver umas fotos e aprender uns nós, ou agarrar na chibata e dar umas porradas. Mas para, nem que seja fingir, ter alguma credibilidade como personalidade dominante, carisma ou capacidade de liderar, não há propriamente no mercado "Leadership for dummies".

Ah, mesmo assim, sobre o segundo comentário, que me dá vontade de rir que sequer se discuta, lembro-me do seguinte. Eu não gosto de subs que muito pior que terem os seus justos limites, os mudam pq não sabem o que querem. Nem há espaço para essas pessoas. Mas, como sempre considerei os limites dos que me servem como um direito "si ne qua non", talvez agora entenda que alguém tenha em tempo dito que eu era "O mais sub dos Doms da net"

Bem, eu nem sabia que sou "Dom da net", mas aplaudo e prosto-me aos pés de mentes tão iluminadas que assim me classificam. E agradeço tais requintados elogios. lol. Se calhar sou switcher e nem sabia...

MestreSADE

Anónimo disse...

Miss Libido, encontrei seu blog ao acaso e estou gostando muito do que estou lendo, é agradável!

wishes you well
diva_elfa{AL