sexta-feira, janeiro 20, 2006

O outro lado da Lua!

Fiz aqui um post sobre o lado mais difícil do BDSM.
Aparentemente pode parecer que os Dominadores/as são os "maus da fita" e que os submissos/as passam a heróis. Não era a ideia.
Quanto à sessão menos conseguida que descrevi, apenas fez com que Dono e submissa aprendessem melhor como lidar entre si; a relação não terminou por essa razão, antes a fortaleceu... A boa comunicação entre as pessoas é das coisas mais difíceis de ser conseguida, mas por tentativas ambas as partes conseguirão estabelecer uma linguagem que favoreça a Dominação/submissão, mais do que prejudicá-la. Se se desiste ao primeiro obstáculo, em qualquer matéria, isso revela apenas que aquela relação não valia a pena; que estava condenada, e era apenas uma questão de tempo... Enfrentar qualquer espécie de impedimento é a prova de que se quer tentar e voltar a tentar, de que achamos que não podemos desistir, porque nos sentimos bem a lutar pelo nosso objectivo, não o conseguindo evitar!

Os submissos também falham, e por vezes são os maiores responsáveis por sessões mal-conseguidas e relações brutais de desentendimentos.
Suponho que começam por não estar à altura quando não definem os seus limites com honestidade, não dizendo que "needle play está fora de questão!", "spanking de cinto apavora-me" ou que "gang bangs para mim nunca acontecerão!". Há submissos que entendem que por se designarem tal passam a ser super-homens com poderes ilimitados de sobrevivência, testam-se a si próprios acima de qualquer outra motivação, insistem em ser "o melhor de todos!".
Na minha perspectiva, um submisso é uma pessoa que se sente bem às ordens de um Dominador, que se sente realizado nessa necessidade incontornável de ser de alguém, que não consegue evitar estar longe de quem o Domine - pode tentar, mas não consegue!
Há uma frase trivial que acho define bem a urgência de um submisso/Dominador relativamente às suas afinidades no contexto do BDSM: quando se é, nao se consegue evitar - "you can run, but you can´t hide/podes conseguir fugir, mas não esconder-te!". Porque as minorias são sempre rotuladas de "gente anormal/esquisita/estranha", nem todos conseguem enfrentar os seus fantasmas e decidir sair do armário, e é legítimo; não há dois seres humanos iguais e é de respeitar. Muita gente no BDSM demorou anos a conseguir quebrar barreiras complicadas psico-sociais, familiares, profissionais, para se afirmar o que é e não o que tem de parecer ser! Outros nunca o conseguirão. Outros não conseguem evitar de o ser! O ideal seria que todos fossem felizes por serem o que são, sem terem de se esconder ou, melhor, não precisando de se esconder ou, melhor ainda, tendo a opção de se esconder ou nao!
Seja como for, somos todos apenas gente a tentar ter um lugar no Mundo, a ser compreendido ainda que diferente, a acreditar que "todos diferentes todos iguais" e não apenas quanto à cor da pele, a raça, o credo, a política ou as escolhas sexuais.
Uns não conseguem deixar de fazer tudo para o conseguir, outros...

domingo, janeiro 15, 2006


by Sean Coetzer

Sozinha, com a alma a chorar!

Como em todos os micro-cosmos, há sempre duas faces da mesma medalha, uma positiva e outra negativa. Também no BDSM não há apenas o lado bom de entregas e sessões, embora raramente se fale neles, mas o facto é que existem. Dominadores e submissas/os continuam a ser gente apenas e a tentar alcançar e superar limites, mesmo que sejam os da auto-perfeicção - uma fasquia que todos gostaríamos de atingir. Porque nem sempre se fala do lado mau das coisas, e para que não se passe a ideia errada de que BDSM são apenas rosas sem espinhos, os curiosos e leigos que se desenganem. Qualquer entrega é difícil e morosa, e no BDSM trata-se de gente e corpo e almas, não são apenas pele e acessórios como complemento de duas vontades e devoções. Mesmo que as coleiras saiam e as marcas sarem, há na alma cicatrizes que jamais sararão, ainda que feitas por efeito e nao por causalidade. BDSM não é apenas fetichismo, erotismo, ou/e sado-masoquismo - são no minimo duas pessoas a crescerem juntas, com todas as dores do crescimento!

"O meu Dono concordou que eu tivesse uma sessão com outro Dominador, sem a presença dele. No dia seguinte iria a Lisboa encontrar-me com ele, com o seu consentimento, tal como acontecia antes de ter a sua coleira. Era a primeira vez que aconteceria sendo sua. Eu estava nervosa e ele muito contrariado, mas não voltou atrás no consentimento.
Normalmente o meu Dono chegava, eu esperava-o de costa e de joelhos atrás da porta, nua, segurando nos dentes a coleira. Abria-lhe a porta lá em baixo, no prédio, esperava que ele subisse, encostava a porta de cima, e assumia a minha posição. Ele chegava, dizia "boa noite cadela", pegava-me na coleira e trela, colocava-ma, e eu de quatro seguia a sua frente pelo corredor até à sala. Aí, no meio da sala, abria as minhas cavidades para que as inspeccionasse, num ritual de posse e entrega que fortalecia gradualmente a nossa relação. Ele tirava o casaco devagar e em silêncio, passava-me a mão pelo corpo arrepiado, punha-me uma gag por vezes, ou vendava-me, e depois marcava-me o rabo com fortes palmadas que ressoavam no silêncio da sala. Costumava falar depois, soltando sons de prazer por me ter só para ele na entrega do corpo e da alma. Nesse dia, as palmadas foram mais fortes e ele estava mal-humorado. Tremi mas não me queixei, vendada apenas; mas o corpo sentiu que algo mudara. Esperava alguma "represália" no pagar o preço pela sessão a ter no dia seguinte, mas o meu Dono costumava ser justo e não esperava que fosse tão óbvio: o seu consentimento implicava ressentimento. Puxou-me pela trela e amarrou-a às pernas da mesa pesada de madeira preta, foi buscar um prato de plástico, despejou-lhe bolachas esfareladas e mandou-me sorvê-las, enquanto o ouvia mexer na mochila com ruídos de impaciência. Com o pé encostou-me a cabeça na direcção do prato no chão e eu cumpri a ordem, mas agora já apreensiva - a rotina inicial tinha-se alterado e nada ia ser como dantes. Estava nervosa e senti-me abandonada na incompreensão dele, mas sem um lamento. Com um sacão da trela voltou a levar-me para o centro da sala e a chibata determinada e sem pudor desabou sobre nádegas e coxas, comigo ainda de quatro. Retesei músculos e carne, estremeci, mas ele não hesitou. Castigava-me antes da sessão com o outro Dom acontecer, e eu sentia-me terrivelmente só numa decisão que me parecera livre de grandes constrangimentos.
Pela trela me levantou depois, com o rabo e coxas a latejarem e o meu coração a bater como um cavalo em galope; não era medo, mas senti que naquele dia tudo se podia desmoronar. Para eu confiar no meu Dono ele não se podia sentir inseguro comigo, e castigar-me por antecipação era não acreditar em mim - sentia-me mal comigo e com ele.
De pé, amarrou-me uma trave de madeira aos braços, pousada no pescoço como canga, eu sempre vendada; fez-me sentar, deitar, com ordens secas e sem reservas (contrariamente a uma certa doçura que sempre manifestara antes) e amarrou-me de pernas bem abertas a outra trave de madeira nos pés - uma spread-bar improvisada. Eu estava completamente tensa e ele completamente enfurecido num silêncio que me magoava mais que o que me esperava... Arrancou-me a venda e vi-lhe tristeza nos olhos pequenos; senti-me envergonhada nesse instante. De repente, sem aviso nem lubrificante, a sua mão direita entra de sacão no meu sexo aberto ao meu Dono, e inicia um fisting descuidado e violento. Arfo e gemo, mas não me queixo, decidida a pagar o preço mas não a culpa que não tinha. Todo o acto foi violento, mas fez-me gozar no fim, à sua ordem e julguei ter expiado uma qualquer sua responsabilidade mal gerida. Soltou-me e esbofeteou-me com raiva nos olhos, impotência disfarçada. Eu não reagia mas também não fechei os olhos. Levantou-se, despiu-se da cintura para baixo, puxou-me a trela para cima, levantou-me e empurrou-me a ficar apoiada no braço do sofá. Cada vez me sentia mais sozinha e injustiçada, e o corpo estremecia na expectativa. Comecei a chorar em silêncio, a engolir ranho e saliva. Nas minhas costas o meu Dono encavava-me o sexo com muita raiva em silencio. Dáva-me palmadas no rabo e as vezes dobrava-me para trás, pelos cabelos. Penetrou-me analmente, de repente e sem lubrificante, e chorei mais mas cada vez mais em silêncio. O meu corpo desatou a soluçar sem ruído. Ele parou, deu a volta, levantou-me a cabeça e a tristeza tinha-lhe voltado aos olhos: estávamos ambos tristes e sozinhos em companhia. Ele continuava a ser o meu Dono, mas já não confiava em mim, e isso é que me castigara.
Agarrou-me pelos ombros e fez-me sentar no sofá. Eu só chorava em silêncio e ele embalou-me numa manta ali pousada, e nos seus braços. Ele suspirava e eu engolia ainda ranho e saliva. Ficamos assim algum tempo. Eu procurava-lhe os olhos e ele evitava os meus; finalmente pediu-me desculpa com o olhar. O silêncio manteve-se. O meu corpo estava dorido, mas a alma estava perdida e triste, injustiçada... No dia seguinte tive a sessão com o outro Dom, como acordado entre os três, mas via os olhos do meu Dono em cima de mim, o tempo todo. Dentro de mim… que fui, e voltei, vazia!"



quinta-feira, janeiro 12, 2006

"How far that little candle throw his beams!
So shines a good deed in a naughty world"
William Shakespeare
"Merchant of Venice"

AVISO!

O FACTO DE HAVER FOTOS EDITADAS NESTE BLOG SEM REFERÊNCIA AO AUTOR DEVE-SE UNICAMENTE AO FACTO DE ME SEREM ENVIADAS, QUER POR MAIL QUER POR GRUPOS TEMÁTICOS, NESSA CIRCUNSTÂNCIA. A QUEM PUDER INDICAR A AUTORIA AO FAZÊ-LO, AGRADEÇO DESDE JÁ! OBRIGADA.

ML

O MASOQUISTA – ou como arranjar maneira de sofrer sempre

"(…)
O Dr. E. Pichon-Riviére demonstrou que não se pode imaginar um masoquista sem um sádico que exerce sobre ele um poder, o desvalorize e tenha prazer à sua custa ao desencadear dor física e moral. Tudo está na ligação.

Freud abordou esta perversão em termos de relação: um indivíduo não pode conceber-se fora da relação com outro, inter-funcional e reciprocamente estimulante, mostrando que o retorno, à própria pessoa, de uma pulsão parcial – que é a sua realização mais perfeita – depende da acção que o outro exerce sobre si, no fantasma ou na realidade. No entanto, o Dr. E. Pichon-Riviére convida a pensar cada relação como um triângulo: são dois na aparência mas, inconscientemente, um terceiro está presente. (…)

Tenho (Alberto Eiguer - psiquiatra, psicanalista, especialista em terapia familiar) tendência a pensar que o comportamento sádico imaginado por um masoquista nada tem a ver com aquele que o sádico realmente pratica. (…) No masoquista, a parte imaginativa da sua perversão é importante, tanto mais que a abstinência sexual lhe fornece um complemento de prazer através da insatisfação. Freud propõe expor-nos o modo como nos constituímos a partir daquilo que temos originalmente, a saber, uma torrente de forças insensatas. E Freud consegue inverter integralmente a questão, dado que o masoquismo, uma vez transformado em representação, nos ajuda a viver; mais tarde dirá que é isso que permite ao indivíduo domesticar a sua pulsão de morte, que se funde com Eros, constituindo o masoquismo um compromisso entre estas duas partes. Deleuze assinalou a disparidade entre o funcionamento do perverso sádico e o do masoquista, em que o primeiro se mostra impulsivo enquanto o segundo é sonhador ou até lírico.



AS TRÊS FORMAS DE MASOQUISMO PARA FREUD
Na perversão masoquista a pessoa não pode aceder ao prazer sexual se não experimentar um verdadeiro sofrimento físico, que lhe é infligido de acordo com modalidades por ela decididas – é isto que normalmente se entende por masoquismo. Freud dividiu isso em três categorias, algumas não directamente sexuais:
1) masoquismo sexual
2) masoquismo moral (ou de carácter)
3) masoquismo feminino

A isto opõe-se um sadismo sexual, sadismo moral e um… sadismo naturalmente “masculino”, que podemos associar a activo e dominador, embora estas duas características não cubram integralmente o masculino…

(…)

COMO IDENTIFICAR UM MASOQUISTA
Sob a aparência de docilidade e discrição, todo o masoquista se arrisca a esconder um ser capaz das piores cóleras e até da destrutividade mais insensata, uma aptidão para fazer mal, tanto mais perigosa quanto imprevista. Masoquista é alguém que se queixa de não ter vivido senão desgraças. É um azarado. Só lhe fizeram porcarias. A sua vida é um desfiar de insucessos. Toda a gente abusa dele. Ninguém jamais lhe agradece. No entanto, encontra desculpas para os que foram duros, implacáveis ou destituídos de escrúpulos para com ele. Não diz forçosamente que gosta de ser desprezado, castigado ou rejeitado. Por outro lado, não sabe tirar o menor proveito dos momentos de prazer. Se tem êxito, fica descontente. Por vezes encoleriza-se ou amua; atenção, pode estar à espera de uma reprimenda. Evite pois dizer-lhe que ele é bonito ou que faz bem aquilo que faz: na melhor das hipóteses procurará demonstrar-lhe o contrário, na pior, odiá-lo-á. Teste: dê-lhe um presente muito, realmente muito bonito e valioso. A resposta será: “Não se devia ter incomodado.” Dir-me-á que é uma resposta frequente. A diferença é que o masoquista pensa mesmo isso, sem qualquer falsa modéstia. Sofre com isso. Uma prova: algum tempo depois, como por acaso, o presente estragar-se-á ou partir-se-á.”

(a ser continuado…)


Adaptado de
“Pequeno Tratado das Perversões Morais”
Alberto Eiguer
(1997)

domingo, janeiro 08, 2006

As aparências!

Acabei o ano com saldo negativo.
Muitas perdas irremediáveis e gente que se foi e deixou marca...
Vários sentimentos espalhados pelo chão, quer em BDSM quer na vida real, como gosto de lhe chamar.
Um pouco de tudo!
Não sei porquê nem para quê, mas sei que aconteceu e que fiquei mais pobre por dentro, mas mais forte por fora... Sei que afinal valeu a pena, mas agora, à distância, longe já da espuma dos olhos revoltos.
Falo de gente e falo de pessoas - em grupo, e separadamente. Em almas e corações que nem sempre estão do lado esquerdo, em tanta coisa que nunca entenderei. Falo de dar e não receber, de querer e nao ter para dar, de ter o que nao desejei, de tantas equações em que os nós dos dedos ficam brancos de tanto apertar.
A vida é feita de ciclos e a sabedoria popular diz que o que não nos mata torna-nos mais fortes! Pode ser verdade, também me sucede o mesmo, mas a que preço...
E tudo em nome de aparências, em fazer de conta, em fingir, em "pretender" que se é aquilo k nao se é...
Sinto-me um dos aliens do filme do Carpenter, em que uns oculos desnudam a Verdade e expoem a mentira. Só que mesmo sem oculos continuo a sentir-me alien, extraterrestre, como o Valentine Love Smith do Henlein, estranha numa terra estranha!
Restou-me um ponto positivo no final deste ano maldito, sofrido, castigado, dorido, mas que valerá sempre a pena... Ajudei alguem a crescer por dentro, a enfrentar os seus medos, a decidir se quer viver ou apenas vegetar, resignado a um medo maior. Sorri ao fazer os meus doze desejos porque ele entrava neles, por si e para si, sem mim. Já sabe caminhar... já nao precisa de mim, e eu com a sensação de ter ajudado um pato a bater as asas. Um pato nao é um pinto, para quem nunca viu um pato! Um pato um dia tem de migrar, mas antes disso aprende a caminhar em duas patas, a bater duas asas e a mergulhar para comer. O meu amigo já era pato adulto e fiz tudo para que voasse, limitei-me a abrir-lhe as asas e a tirar-lhes a nafta do Mundo. Depois, quando chegou ao Sul, deixando-me feliz por ele ter conseguido - arrancou as penas das asas, sentou-se num canto da capoeira e jurou jamais voltar a voar; fiquei triste mas os patos tb têm direito a decidir não voar...
"If You Love Someone, Set Him Free!"

terça-feira, janeiro 03, 2006

"(...) Nada está dito. Ainda chegamos muito cedo, depois de haver homens há mais de sete mil anos. No que diz respeito aos costumes, como em tudo o resto, o menos bom é arrancado. Nós, os hábeis de entre os modernos, temos a vantagem de trabalhar depois dos antigos. Somos susceptiveis de amizade, de justiça, de compaixão, de razão. Oh meus amigos! que é entao a ausencia de virtude? Enquanto os meus amigos nao morrerem, nao falarei da morte. Estamos desolados com as nossas quedas repetidas, por vermos que as desgraças conseguiram corrigir-nos dos defeitos.
Não se pode julgar a beleza da morte senao pela da vida.
As reticências finais fazem-me encolher os ombros de compaixão. Haverá necessidade disso para se provar que se é um homem de espírito, isto é, um imbecil? Como se a clareza nao valesse o indefinido, nisto de reticências!"


"Os Cantos de Maldoror"
Isidore Ducasse / Conde de Lautréamont (1846/1870)