domingo, janeiro 15, 2006

Sozinha, com a alma a chorar!

Como em todos os micro-cosmos, há sempre duas faces da mesma medalha, uma positiva e outra negativa. Também no BDSM não há apenas o lado bom de entregas e sessões, embora raramente se fale neles, mas o facto é que existem. Dominadores e submissas/os continuam a ser gente apenas e a tentar alcançar e superar limites, mesmo que sejam os da auto-perfeicção - uma fasquia que todos gostaríamos de atingir. Porque nem sempre se fala do lado mau das coisas, e para que não se passe a ideia errada de que BDSM são apenas rosas sem espinhos, os curiosos e leigos que se desenganem. Qualquer entrega é difícil e morosa, e no BDSM trata-se de gente e corpo e almas, não são apenas pele e acessórios como complemento de duas vontades e devoções. Mesmo que as coleiras saiam e as marcas sarem, há na alma cicatrizes que jamais sararão, ainda que feitas por efeito e nao por causalidade. BDSM não é apenas fetichismo, erotismo, ou/e sado-masoquismo - são no minimo duas pessoas a crescerem juntas, com todas as dores do crescimento!

"O meu Dono concordou que eu tivesse uma sessão com outro Dominador, sem a presença dele. No dia seguinte iria a Lisboa encontrar-me com ele, com o seu consentimento, tal como acontecia antes de ter a sua coleira. Era a primeira vez que aconteceria sendo sua. Eu estava nervosa e ele muito contrariado, mas não voltou atrás no consentimento.
Normalmente o meu Dono chegava, eu esperava-o de costa e de joelhos atrás da porta, nua, segurando nos dentes a coleira. Abria-lhe a porta lá em baixo, no prédio, esperava que ele subisse, encostava a porta de cima, e assumia a minha posição. Ele chegava, dizia "boa noite cadela", pegava-me na coleira e trela, colocava-ma, e eu de quatro seguia a sua frente pelo corredor até à sala. Aí, no meio da sala, abria as minhas cavidades para que as inspeccionasse, num ritual de posse e entrega que fortalecia gradualmente a nossa relação. Ele tirava o casaco devagar e em silêncio, passava-me a mão pelo corpo arrepiado, punha-me uma gag por vezes, ou vendava-me, e depois marcava-me o rabo com fortes palmadas que ressoavam no silêncio da sala. Costumava falar depois, soltando sons de prazer por me ter só para ele na entrega do corpo e da alma. Nesse dia, as palmadas foram mais fortes e ele estava mal-humorado. Tremi mas não me queixei, vendada apenas; mas o corpo sentiu que algo mudara. Esperava alguma "represália" no pagar o preço pela sessão a ter no dia seguinte, mas o meu Dono costumava ser justo e não esperava que fosse tão óbvio: o seu consentimento implicava ressentimento. Puxou-me pela trela e amarrou-a às pernas da mesa pesada de madeira preta, foi buscar um prato de plástico, despejou-lhe bolachas esfareladas e mandou-me sorvê-las, enquanto o ouvia mexer na mochila com ruídos de impaciência. Com o pé encostou-me a cabeça na direcção do prato no chão e eu cumpri a ordem, mas agora já apreensiva - a rotina inicial tinha-se alterado e nada ia ser como dantes. Estava nervosa e senti-me abandonada na incompreensão dele, mas sem um lamento. Com um sacão da trela voltou a levar-me para o centro da sala e a chibata determinada e sem pudor desabou sobre nádegas e coxas, comigo ainda de quatro. Retesei músculos e carne, estremeci, mas ele não hesitou. Castigava-me antes da sessão com o outro Dom acontecer, e eu sentia-me terrivelmente só numa decisão que me parecera livre de grandes constrangimentos.
Pela trela me levantou depois, com o rabo e coxas a latejarem e o meu coração a bater como um cavalo em galope; não era medo, mas senti que naquele dia tudo se podia desmoronar. Para eu confiar no meu Dono ele não se podia sentir inseguro comigo, e castigar-me por antecipação era não acreditar em mim - sentia-me mal comigo e com ele.
De pé, amarrou-me uma trave de madeira aos braços, pousada no pescoço como canga, eu sempre vendada; fez-me sentar, deitar, com ordens secas e sem reservas (contrariamente a uma certa doçura que sempre manifestara antes) e amarrou-me de pernas bem abertas a outra trave de madeira nos pés - uma spread-bar improvisada. Eu estava completamente tensa e ele completamente enfurecido num silêncio que me magoava mais que o que me esperava... Arrancou-me a venda e vi-lhe tristeza nos olhos pequenos; senti-me envergonhada nesse instante. De repente, sem aviso nem lubrificante, a sua mão direita entra de sacão no meu sexo aberto ao meu Dono, e inicia um fisting descuidado e violento. Arfo e gemo, mas não me queixo, decidida a pagar o preço mas não a culpa que não tinha. Todo o acto foi violento, mas fez-me gozar no fim, à sua ordem e julguei ter expiado uma qualquer sua responsabilidade mal gerida. Soltou-me e esbofeteou-me com raiva nos olhos, impotência disfarçada. Eu não reagia mas também não fechei os olhos. Levantou-se, despiu-se da cintura para baixo, puxou-me a trela para cima, levantou-me e empurrou-me a ficar apoiada no braço do sofá. Cada vez me sentia mais sozinha e injustiçada, e o corpo estremecia na expectativa. Comecei a chorar em silêncio, a engolir ranho e saliva. Nas minhas costas o meu Dono encavava-me o sexo com muita raiva em silencio. Dáva-me palmadas no rabo e as vezes dobrava-me para trás, pelos cabelos. Penetrou-me analmente, de repente e sem lubrificante, e chorei mais mas cada vez mais em silêncio. O meu corpo desatou a soluçar sem ruído. Ele parou, deu a volta, levantou-me a cabeça e a tristeza tinha-lhe voltado aos olhos: estávamos ambos tristes e sozinhos em companhia. Ele continuava a ser o meu Dono, mas já não confiava em mim, e isso é que me castigara.
Agarrou-me pelos ombros e fez-me sentar no sofá. Eu só chorava em silêncio e ele embalou-me numa manta ali pousada, e nos seus braços. Ele suspirava e eu engolia ainda ranho e saliva. Ficamos assim algum tempo. Eu procurava-lhe os olhos e ele evitava os meus; finalmente pediu-me desculpa com o olhar. O silêncio manteve-se. O meu corpo estava dorido, mas a alma estava perdida e triste, injustiçada... No dia seguinte tive a sessão com o outro Dom, como acordado entre os três, mas via os olhos do meu Dono em cima de mim, o tempo todo. Dentro de mim… que fui, e voltei, vazia!"



1 comentário:

Anónimo disse...

Por vezes o sentimento reina, sem sentido...

normalmente aconteçe quando nos prendemos a algo que não desejamos com toda a força do nosso espirito, mas não sabemos como dizer não...

normalmente arrependemo-nos duas vez pelo menos.
uma por nos termos prendido, duas por não nos sabermos\conseguirmos libertar.

um beijo grande