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O Dr. E. Pichon-Riviére demonstrou que não se pode imaginar um masoquista sem um sádico que exerce sobre ele um poder, o desvalorize e tenha prazer à sua custa ao desencadear dor física e moral. Tudo está na ligação.
Freud abordou esta perversão em termos de relação: um indivíduo não pode conceber-se fora da relação com outro, inter-funcional e reciprocamente estimulante, mostrando que o retorno, à própria pessoa, de uma pulsão parcial – que é a sua realização mais perfeita – depende da acção que o outro exerce sobre si, no fantasma ou na realidade. No entanto, o Dr. E. Pichon-Riviére convida a pensar cada relação como um triângulo: são dois na aparência mas, inconscientemente, um terceiro está presente. (…)
Tenho (Alberto Eiguer - psiquiatra, psicanalista, especialista em terapia familiar) tendência a pensar que o comportamento sádico imaginado por um masoquista nada tem a ver com aquele que o sádico realmente pratica. (…) No masoquista, a parte imaginativa da sua perversão é importante, tanto mais que a abstinência sexual lhe fornece um complemento de prazer através da insatisfação. Freud propõe expor-nos o modo como nos constituímos a partir daquilo que temos originalmente, a saber, uma torrente de forças insensatas. E Freud consegue inverter integralmente a questão, dado que o masoquismo, uma vez transformado em representação, nos ajuda a viver; mais tarde dirá que é isso que permite ao indivíduo domesticar a sua pulsão de morte, que se funde com Eros, constituindo o masoquismo um compromisso entre estas duas partes. Deleuze assinalou a disparidade entre o funcionamento do perverso sádico e o do masoquista, em que o primeiro se mostra impulsivo enquanto o segundo é sonhador ou até lírico.
AS TRÊS FORMAS DE MASOQUISMO PARA FREUD
Na perversão masoquista a pessoa não pode aceder ao prazer sexual se não experimentar um verdadeiro sofrimento físico, que lhe é infligido de acordo com modalidades por ela decididas – é isto que normalmente se entende por masoquismo. Freud dividiu isso em três categorias, algumas não directamente sexuais:
1) masoquismo sexual
2) masoquismo moral (ou de carácter)
3) masoquismo feminino
A isto opõe-se um sadismo sexual, sadismo moral e um… sadismo naturalmente “masculino”, que podemos associar a activo e dominador, embora estas duas características não cubram integralmente o masculino…
(…)
COMO IDENTIFICAR UM MASOQUISTA
Sob a aparência de docilidade e discrição, todo o masoquista se arrisca a esconder um ser capaz das piores cóleras e até da destrutividade mais insensata, uma aptidão para fazer mal, tanto mais perigosa quanto imprevista. Masoquista é alguém que se queixa de não ter vivido senão desgraças. É um azarado. Só lhe fizeram porcarias. A sua vida é um desfiar de insucessos. Toda a gente abusa dele. Ninguém jamais lhe agradece. No entanto, encontra desculpas para os que foram duros, implacáveis ou destituídos de escrúpulos para com ele. Não diz forçosamente que gosta de ser desprezado, castigado ou rejeitado. Por outro lado, não sabe tirar o menor proveito dos momentos de prazer. Se tem êxito, fica descontente. Por vezes encoleriza-se ou amua; atenção, pode estar à espera de uma reprimenda. Evite pois dizer-lhe que ele é bonito ou que faz bem aquilo que faz: na melhor das hipóteses procurará demonstrar-lhe o contrário, na pior, odiá-lo-á. Teste: dê-lhe um presente muito, realmente muito bonito e valioso. A resposta será: “Não se devia ter incomodado.” Dir-me-á que é uma resposta frequente. A diferença é que o masoquista pensa mesmo isso, sem qualquer falsa modéstia. Sofre com isso. Uma prova: algum tempo depois, como por acaso, o presente estragar-se-á ou partir-se-á.”
(a ser continuado…)
Adaptado de “Pequeno Tratado das Perversões Morais”
Alberto Eiguer (1997)
1 comentário:
Parabéns pelo blog.Belas fotos e textos interessantes. Estou procurando textos de Psicanálise relacionados ao SM e este é bem legal.
abraços!
^.^
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