sábado, agosto 28, 2004

"O Reino da Masturbação"

<< A austera liberdade que ela descobrira na masturbação eliminou todo o desejo de relações sexuais com outras pessoas. Estava livre numa estranha prisão, uma prisão onde lhe era permitido fazer, ou dizer, ou sentir tudo o que quisesse em qualquer altura que o impulso a movesse, mas sob uma condição: permanecer sozinha.
Que ela tinha andado a gravitar em torno deste estado durante toda a sua vida adulta era algo que podia ser visto somente em retrospectiva. Nos dez anos que se seguiram à perda da virgindade, aos dezassete anos, entrou numa promiscuidade de tal modo desmedida que parecia que ela nunca conseguiria obter o suficiente das pessoas. Era-lhe impossível lembrar-se de quantos homens, mulheres, crianças, animais e dildos tinham estado dentro dela, de quantos galões de esperma absorvera, de que perversas acções ela não experimentou ou proporcionou. Então, numa bela noite, enquanto estava deitada num tapete roubado, contorcendo-se diante de uma lareira crepitante, o seu corpo num mar revolto de sombras vermelhas, os seus dedos acariciando a sua cona, depois de horas de ser fodida, chicoteada, mijada, humilhada, uma qualquer corda delicada quebrou-se dentro de si, e ela abriu os olhos para se interrogar sobre o porque de estar ali a gastar tanta da sua energia naquilo que subitamente lhe veio a parecer um melodrama sem sentido. Com uma honestidade implacável ela separou a realidade das aparencias que a camulflaram e fez a si propria a única pergunta importante que tem alguma validade no eino do erotismo: porque envolver os outros, afinal de contas?
Isolou-se para meditar na resposta e chegou a uma conclusão surpreendente. "Os outros apenas proporcionam energia adicional para aumentar o âmbito e a intensidade do orgasmo" raciocinou ela "quer juntando o próprio acto de foder, quer observando, quer ainda fornecendo quantidades em momentos cruciais sob a forma de palmadas, carícias ou palavras". Ela aperecebeu-se de outras funções, tais como proporcionar companhia, apoio ou instrução, mas não considerava tal aspecto por dizer respeito a pessoas que ainda não tinham atingido qualquer autonomia de personalidade.
"O orgasmo é a experiência quinta-essencialmente privada" continuou ela "e a ideia de que devemos partilhá-lo com terceiros é a corrupção final do que resta da civilização. O único momento em que as pessoas deviam foder seria para fazer bebes. Tudo o resto é mera indulgência.">>

in "As Comédias Eróticas"
Marco Vassi (1981)



"Vou-me amar.
Quero e desejo e preciso
de mim neste momento
branco,
lavado pelas chuvas de Março.

Vou-me ter.
Até ao orgasmo mais meu,
quando cicio para mim
acaricio para mim
rebolo para mim,
até mais não poder.

Vou-me deixar ir.
Em cadência.
Ritmo desenfreado no fim
batida medrosa primeiro.
Gosto disso.

Vou-me amar mais.
Sou demente em mim
e aproveito o cheiro a chuva,
o gotejar nas vidraças,
o restolho das águas na rua.

Vou-me adorar mais e mais.
Até chorar.
Como da única vez -
num quarto barato de hotel,
numa cama manchada por lençóis cinzentos.

Até chorar.
Até sentir o vazio.
Até sentir perfurar o meu sexo
com as minhas mãos possuídas.
Até à vertigem. Branca. Palpável.
Até ao abismo. Perigoso. Atraente.
Até à maior felicidade...

Depois
nada foi como antes.
Nunca repeti, esqueci o caminho.
Entre amar e ser amada adormeci os sentidos.

Depois,
só lembrar,
só para mim,
impossível partilhar -
imperioso gostar.

Tenho pressa.
Vou-me amar!"


ML

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