segunda-feira, julho 05, 2004

ABRIL


Os mamilos erectos.
O gato olhava ainda a bola de lã, e o tacto!...
O candeeiro de fio comprido escorregando do tecto à procura do chão, oscila entre a aragem e o calor; e não chega a escolher…
Ela, sozinha a olhar um espelho inexistente, trinca preguiçosa um vermelho tomate apetitoso. Escorre-lhe sangue da boca e ela aspira-o a intervalos sincopados. A aragem teima em instalar-se no aposento, junto dos ocres. O gato lambe as patas, também ele com indolência.
Levantando-se seminua, procura um resto de líquido no copo. O leite espesso e branco sugere-lhe imagens carregadas de erotismo e ela sorri com a solitária malícia. Pensa que é bonita e gosta de o ser.
Os mamilos continuam erectos.
Chamam-se desejo.
... Mas ela amou-se de noite...
E não conseguiu.
Tem um fio ao pescoço que teima em acariciar... e é de prata. O cabelo brilhante caído sobre o colo do peito. Acende com prazer um cigarro e gosta de o ver arder entre os dedos.
É Abril e está calor.
Sente-se bem por estar meia nua sobre a cama, a um Domingo, com o gato esticado sobre a carpete morta.
Começa então a fazer o que lhe apetece.
Escorrega da cama e esconde-se num canto do quarto quase vazio. Encosta com minúcia as costas à parede côr-de-areia-quase-pôr-do-sol. Posters do mar fazem pensar em infinito, praia, mar e cor, doce e salgado, tempestade e bonança - fechando os olhos ela entrega-se ao jogo. Lembra-se de caranguejos a fugir para a maré lodosa e da massa azul a tentar puxá-los, e depois do mar a ser puxado pelo infinito, e o infinito a desaparecer da imagem.
O gato espreguiça-se.
O gato levanta-se e também todos os pêlos do corpo - e ela estremece. Gatinha de encontro ao felino e encosta um dedo ao seu focinho - primeiro uma carícia depois uma tentativa de diálogo, e o gato a tentar acertar-lhe com uma pata atrevida, na incerteza do propósito.
Recuando, ela senta-se de cócoras. E é a vez do gato lhe causar sensação de prazer. Arranha-lhe devagar o pé esquerdo onde desenha pequenos riscos. Ela levanta-se num impulso incontrolado e põe a tocar Vivaldi.
O candeeiro continua indeciso no baloiço. Como ela... que humedece os lábios com a língua, também ela sequiosa. O leite acabou - só álcool agora. Ela sente-se irrequieta, esperando com ânsia que algo aconteça - e é apenas o combóio a passar urgente sobre os trilhos cansados de imobilidade. A cidade também está calma e suspensa, quase estupefacta perante um céu demasiado azul e demasiado céu. Os parques repletos de “pas de deux” amorosos, o rio calmo na sua largura de rio calmo. E a música a rastejar nos ouvidos e na memória dos ouvidos, repleta de sons e imagens.

ML

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