quarta-feira, fevereiro 01, 2006

O MASOQUISMO FEMININO

“(…) Na edição do livro de Kraft-Ebing (“Psychopathia Sexualis” 1899) explica-se peremptoriamente que se o masoquismo sexual é menos raro na mulher isso deve-se à sua predisposição erótica, a qual tende para a subordinação e sujeição. É assim que o homem a quer. O ritual da galanteria, onde ela se pode fazer desejar, seria uma recompensa para a mulher, antes de se oferecer ao macho. Em última análise, seria uma prova de resistência e de força do homem, que, assim, revelaria a sua potência, oferecendo-se em vassalagem e sabendo ao que ela se refere. Para Kraft-Ebing, um traço tipicamente feminino seria a busca de tormentos que ela se inflige por demissão. Mencionam, como igualmente típicos na mulher, o reconhecimento das suas faltas nas disputas conjugais, a sua dependência, bem como a dificuldade de descarga completa da sua tensão sexual. (…)
Seria no entanto lamentável concluir pela inutilidade do conceito de masoquismo feminino. (…)
Pichon-Rivière (1994) propõe como exemplo de masoquismo feminino o da prostituta. Porque motivo dá ele exactamente este exemplo patológico se a prostituta vive das experiências de masoquismo moral: risco de encontros com homens violentos, desagradáveis, que a desprezam ou podem transmitir-lhe doenças sexualmente transmissíveis; posição social marginal e, por vezes, masoquismo sexual? A prostituta tem prazer na medida em que não goza sexualmente, em que o cliente é um intruso impotente, incapaz de seduzir uma mulher. A dependência caricatural em relação ao proxeneta corresponde ao masoquismo moral: rupturas e fugas para ser maltratada.
Penso que o masoquismo feminino se traduz aqui na escolha de uma sexualidade marginal em que o sexo é omnipotente. Pichon-Rivière faz alusão à revolta contra a família. A passividade feminina emerge aqui como um emblema; o sexo, como um objecto ultilitário, que compensa pelo dinheiro o nível do masoquismo feminino. A privação do prazer de que ela contudo dispõe (o ardor do cliente) surge então como um traço pertinente deste masoquismo.
Mas porque é que uma mulher haveria de aproveitar todas as oportunidades eróticas que se lhe apresentam, sem distinção, sem se permitir a rejeição ou sequer a repugnância? Este masoquismo manifesta-se, segundo Freud, no quadro do que é essencialmente feminino. Citarei o caso de mulheres estéreis, que procuram por múltiplos meios ter um filho, com frequência à custa de grandes sacrifícios, exames penosos, operações extenuantes, e que, quando todos esses meios se revelam ineficazes, voltam a recorrer a eles. A perda do seu equilíbrio parece-lhes justificar-se. A vida do casal sofre com isso. Tudo gira em torno de uma esperança por vezes magra. Os novos métodos de procriação, tão úteis, fazem-nos descobrir a extensão do problema. O masoquismo não é aqui menos enigmático. Desejo de apaziguar uma depressão, necessidade de se reparar, de consolar a mãe que a mulher abandonou para investir num marido?”

In
“Pequeno Tratado das Perversões Morais”
Alberto Eiguer
(1997)

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