"Se conseguires entrar em casa e
alguém estiver em fogo na tua cama
e a sombra de uma cidade surgir na cera do soalho
e do tecto cair uma chuva brilhante
contínua e miudinha - não te assustes.
São os teus antepassados que por um momento
se levantaram da inércia dos séculos
e vêm visitar-te.
Diz-lhes k vives junto ao mar onde
zarpam navios carregados com medos
do fim do mundo - diz-lhes k se consumiu
a morada de uma vida inteira e pede-lhes
para murmurarem uma última canção para os olhos
e adormece sem lágrimas - com eles no chão.
AL Berto - "O Medo"
(1948-1997)
1 comentário:
Belíssimo poema. Deixou-me a pensar...
Há quem diga que tenho medos. Geralmente quem o diz só falha na descrição dos mesmos. Os meus medos são iguais aos de tantas outras pessoas e nada têm a ver com fantasmas ou ladrões. Escondo-os debaixo do manto das aparentes alegrias e das conversas supostamente fluidas, onde ninguém repara que tenho medo. O meu medo é apenas dos grandes monstros sagrados... Os que nos fazem ficar acordados com lágrimas. Da próxima vez que tiver medo (como hoje), eu que amo o mar porque conhece o mundo inteiro, direi: «vivo junto ao mar onde zarpam os navios carregados com medos do fim do mundo». E esperarei que os meus medos embarquem também.
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