quinta-feira, outubro 05, 2006

OUTONO

Que bela tarde está...
Gostava de saber pintar para reproduzir o céu e o mar que vejo daqui.
Como choveu muito, até a relva de um campo em frente à minha casa está mais verde e surgiram lençóis de baldroegas... O meu cão delirou com as cócegas que lhe roçaram a barriga e as patas e queria espojar-se. Correu atrás dos pássaros e desobedeceu-me; castiguei-o ao de leve - não se pode nem deve castigar alguém por estar feliz. O meu cão teve uma tarde feliz!
Puxei uma cadeira branca de plástico, na varanda, e enrosquei-me nela, com pés descalços e pulseira de escrava no artelho esquerdo. Fumei um cigarro e uma parte da tarde, atirando o fumo para cima, deixando-o dissipar-se na brisa. O sol queimava e tive de fechar os olhos - "Cierra los ojos" diziam a Tom Cruise num dos melhores filmes que vi nos ultimos anos; eu cerrei os meus. O cão aos pés, uma mesa cheia de vasos floridos de segunda estação, um sol escaldante e uma tarde de encher os sentidos. Mudei os pés de posição - sou muito grande para a cadeira, e enrosco-me melhor agora. Apago o cigarro e mantenho os olhos em descanso merecido...
Um segredo só meu não me deixa ir, vogar no mar, atrás de um snipe que aproveita a brisa para ilustrar a paisagem. Volto a fechar os olhos e volto a mergulhar no mar que este ano não bebi. Levo comigo o meu segredo até ao fundo de areia e lá abro os olhos, que ardem com o sal.
Serei sempre escrava, é o que sinto lá no fundo desta tarde.
Sempre amarrada ao que sinto e ao que não tenho.
O segredo amarrota-me a alma.
Sinto as cicatrizes começarem a arder com o sal.
É o segredo de ser escrava - se doer é porque vale a pena!
E porque me dói muito, esta tarde de uma beleza perfeita, o meu segredo por polir como um carvão quase diamante, o meu cão feliz por me ter, porque me dói muito tudo isto, sei que serei sempre prisioneira - livre na minha vontade!

1 comentário:

Anónimo disse...

Um texto fabuloso que envolve o Outono numa sensação positiva e quente...
Beijo grande...