segunda-feira, fevereiro 28, 2005

A Tirania dos Senhores!!!

Sempre achei que o BDSM permitisse uma libertação, mais do que liberdade, dos sentidos e das vontades, das fantasias e dos fetiches!!! Deduzia então que para tal, uma certa pequenez de mente e de espírito, de tacanhez, de preconceito e de, principalmente, medo... fosse ultrapassados. Tendo em conta que entre quem manda e quem é mandado, são os ultimos quem mais se sujeita à moralidade maior dos "mandadores", cria-se então uma espécie de código de honra que de repente parece ser lei! Ninguém sabe ao certo de onde surge, mas lentamente vão surgindo os "10 Mandamentos" do BDSM, bebendo no entanto alguns ditames não só de algum (nem sempre suficiente) bom-senso, como de lugares-comuns que vão sendo adoptados por necessidade de directrizes. Mas nem sempre as boas intenções bastam...
Sou submissa e acredito nesta minha afinidade com o mundo da libertação dos sentidos, através de maior ou menor erotismo, maior ou menor expansão dos limites da dôr... No entanto, cada vez mais, julgo que a palavra "ombridade" deveria ser o 11º Mandamento - se tal é concebível - pela inerência do seu significado.
Torna-se extremamente difícil confiar em Dominadores sem ombridade, como em qualquer pessoa despojado desse sentimento maior. O limite entre o que se quer, o que se tem, e o que se teve, deveria ser traçado sem pudor - apenas porque regras são precisas, e as do bom-senso são imperiosas! Qualquer "jogo" necessita de parâmetros e os que implicam a entrega (muitas vezes incondicional)de um ser humano a outro, obriga a limites, também, daqueles que recebem a entrega, tantas vezes com leviandade, demasiadas vezes sem qualquer espécie de pudor pela obrigatoriedade em respeitar o submisso!!!!
Na verdade, tudo não é mais do que uma troca, um dar e receber recíprocos, que deveria ser tratado como um acordo de cavalheiros! A pergunta é: quem ensina os Dominadores a entregarem-se com a mesma ombridade com que o fazem os submissos? Que regras regulam a conduta dos Mestres? Quem pune um Dom que não respeita um sub? Onde acaba e começa a tirania dos Senhores? Um submisso define os seus limites, mas não tem poder para acusar um Dominador que os desrespeite; porquê? Ser submisso é um orgulho maior que não deve ter a chancela do "coitadinho"! Pelo contrário, ser submisso é a certeza de que a prática do BDSM não se faz com um número ímpar!

sábado, fevereiro 12, 2005

Pietà

Depois do suor
sem lágrimas
sem nada mais do que o que devia ser,
ficava ali
aninhada numa Pietá de olhos rasos
a agradecer em súplica calada.

De baixo para cima
mostrava eu, a mulher que fora Sua, Dele,
o que mais ninguém veria cá fora
no exterior do mundo dessa Verdade maior
sem nome!

Um vulcão que explodira entes
revelando sensações de fino corte
numa entrega/dádiva com rótulo sem necessidade.
Tudo o que é vem ao de cima
e o que não se mostra é cobarde
na certeza de não conseguir.
Evolução...

Um Dono é-o nos olhos!
E baixos ficaram os meus,
púdicos por me desnudarem perante Ele,
temerosos de não serem livres como sempre foram...
Amantes de um momento de revelação
que não voltará jamais!
A Eternidade!
Aninhada numa Pietá de olhos rasos,
cheios de tudo...

ML
(...)René estava sentado na única poltrona confortável do seu gabinete, em frente à mesa, e O encolhida nos seus braços. - O que farão de mim é-me indiferente -murmurou ela - mas diga-me se ainda me ama. - Minha querida, eu amo-a - disse René - mas quero que me obedeça e você obedece-me mal. Você disse a Jacqueline que pertence a Sir Stephen, falou-lhe de Roissy? - O respondeu que não. - Jacqueline aceita as minhas carícias, mas no dia em que soubesse... René não a deixou acabar, ergueu-a, encostou-a na poltrona que acabara de deixar e levantou o seu vestido. - Ah, eis a cinta. É verdade que você ficará muito mais agradável quando tiver a cintura mais fina - Depois penetrou-a!

"História de O"
Pauline Réage

Um labirinto de certezas!

Nem sempre as coisas são óbvias, qualquer que seja a coisa em qualquer que seja o tempo e o espaço... Por vezes as dúvidas são necessárias para chegar às certezas, então legitimadas, quando antes sistemáticas, reflexas e sem peso.
No reino do BDSM, nem sempre toda a gente sabe o que anda a fazer, se quer fazer, ou porque o faz!
Recentemente, alguém me dizia que tinha rejeitado um convite de escrava dum Dominador, por o querer servir por inteiro, como ele merecia. Parece contraditória a questão e a solução, mas não é! Quando li o e-mail com a sua resposta, desejei ter sido eu a escrevê-lo, e fiquei certa de que o Dominador em questão se sentiu deveras realizado! A Dominação não se faz na carne, mas dentro dela... O chicote só faz saltar as lágrimas. O contentamento é sentir o Senhor crescer nos nossos olhos!


“Tenho pensado na eventualidade que me colocou, sem saber bem o que pensar... Aparentemente, sentir não chega!
Desde que falei consigo ao telefone pela primeira vez que confiei em si, desde a nossa primeira sessão que sabia que seria "o tal" Dominador; desde há muito, portanto, que me entreguei a si!
Confesso que imaginei muitas vezes o quanto gostaria de ser sua escrava, que vezes demais usei a imaginação para uma excitação plena consigo como meu Dono, etc... No entanto, depois lembrava-me que "não era livre" por compromisso assumido, e afastava qualquer esperança nesse sentido. Quando há tempos falou na hipótese pela primeira vez fiquei em puro êxtase, e ontem repetiu-se a primeira sensação. Não havia nada que me desse mais prazer... julgo que merecia ouvir isso. Trocámos sms e fiquei com as mãos cheias de coisas e definições, mas infinitamente confusa. Hoje passei o dia a pensar e a repensar, e a sentir muito, demais... uma angústia. Ontem disse-lhe que me desagradava a ideia do segredo (embora compreenda que seja necessário), que nunca me escondi... Continua a ser verdade!
Nada me faria mais feliz no BDSM do que ser sua escrava... mas sem me ter de esconder! Entendo que, por definição, uma escrava só existe enquanto criação do seu Dono - se essa relação vive no segredo, a submissa nunca existirá. Não posso matar, esconder, amarfanhar, uma submissa que se quer entregar por inteiro a quem lhe dê a hipótese de existir.
Sobre o conceito de heróis no BDSM, defendo sermos todos nós na comunidade; toda a gente quer ser herói por umas horas, ter os seus quinze minutos de fama, imaginar-se uma excelente submissa ou o melhor Dom de todos...
Uma submissa em segredo é uma violência, quase uma violação, porque tudo o que quer é dizer o seu Dom um herói - o melhor de todos! Toda a submissa sonha em ser apresentada pelo seu Dono como a sua cadela, a sua coisa, em ser emprestada por ele a outro Dono ou a entrar numa gathering/encontro/workshop acompanhada por quem tenta honrar! É o reconhecimento dele à entrega dela, penso eu, enquanto enaltecendo o seu Dono ele a premia com a sua presença pública...
Sempre lidei mal com o segredo... E neste caso ele mataria a alegria de o ter como Dono, por me fazer deixar de existir - anular-me para lhe dar prazer é uma coisa, nem chegar a existir é o castigo antes da ofensa. Os submissos também querem ser heróis, terem os seus quinze minutos de fama - sentirem-se invejados por o seu Dono ser o melhor, cumprimentados no plurar, considerados um apêndice do Dom X... Acho que preciso disso e conheço-me bem - conseguia fingir que concordava, mas nunca seria o mesmo! Ia olhar para si e em silêncio tentar perceber porque não tinha um Dono que me assumisse, sempre.
Ia ficar triste, cumprir exemplarmente as suas ordens, mas também sentir-me abandonada no anonimato... Sei que não iria sentir prazer e duvidaria da entrega, porque seria a tristeza a dominar-me, não o Senhor.
Resumindo, ficaria muito feliz se um dia me convidasse para sua escrava, e assim fiquei com a hipótese... imensamente contente com a possibilidade de o agradar enquanto meu Dono. Mas seria uma farsa que nesses moldes me empobreceria como submissa, e não o quero desonrar com uma representação... Talvez seja uma excelente actriz se necessário, mas não o quero fazer, muito menos consigo!
E, de um modo muito prosaico, já o estou a honrar e a servir...Se quiser continuar a ter-me em sessões sem fingimento serei sempre sua submissa sem interferir com o seu caminho, desde que isso lhe baste e lhe dê igualmente prazer. Se não fôr o caso, entendo.... em absoluto! Não o rejeito - apenas não me quero dar pela metade!E honro-o
assim... como posso! Não como quero!...

Um beijo dado de olhos baixos!
Uma submissa...”

"Sexo Com Letra Maiúscula"

"- As mulheres excitam-se com as palavras, as imagens e os temas românticos. Entre as fantasias sexuais das mulheres incluem-se o afecto e o compromisso. As mulheres costumam recrear-se com as suas próprias reacções emocionais. E quando recordam o sexo partilhado com o parceiro, também nas suas características emocionais. A mulher, geralmente, interessa-se pela palavra, verbaliza com mais facilidade do que os homens as emoções e, ao falar, e acariciar o ser amado antes do coito, pode avaliar o seu temperamento e as suas intenções. Se a mulher verifica que o seu amado exprime afecto, julga que ele está disposto a ser um parceiro empenhado.
- Achamos que é um parceiro empenhado, mas será realmente?
- Depende, Alex. A maioria dos homens que têm relações múltiplas cai numa categoria intermédia. Nem mente, nem diz a verdade. Foge. Suporta a relação a três, quatro ou cinco, até uma das amantes ou a esposa conseguir levá-lo para o seu terreno. Os homens não dão o braço a trocer com facilidade. Esperam que sejamos nós a tomar a decisão (nós, mulher ou amante)..."

"As Outras - Falam as Amantes"
Mayte Ametlla (2004)

V

"Ali vimos a veemência do visível
O aparecer total exposto inteiro
E aquilo que nem sequer ousáramos sonhar
Era o verdadeiro..."


Sophia de Mello Breyner Andresen
(1977)