quinta-feira, novembro 17, 2005

As personagens que nos fazem chorar!

Todos os dias páro um pouco... cinco minutos antes de deitar, com um cigarro a queimar devagar, no wc, última paragem antes do leito!
Todos os dias tento entender as incongruências de mais um dia na vida, e é frequente empancar nalgum momento mais surreal do quotidiano que então adormeço...
Nos últimos meses vivi momentos difíceis, situações complicadas, convivi com gente diferente, amigos, conhecidos e alguns verdadeiros idiotas sem cura.
Difícil mesmo é-me entender a Mentira e a Dissimulação - de tudo na vida, a ausência de Verdade dá cabo de mim como uma sessão de BDSM mal conseguida ou um casamento traumático! Por vezes tira-me o sono. Outras a vontade de acordar. Por vezes até só me faz chorar, sózinha, em silêncio, a escutar o mar que me quer entrar em casa... Mas a realidade é que fico sempre mais pobre quando acredito em quem não merece.

O MITÓMANO (ou como urdir uma personagem)

"O que é a mitomania? É uma forma de
mistificação para consigo próprio e para com os outros, afim de se fazer valer
ou obter uma vantagem material, subtrair dinheiro, por ex., ser hospedado, etc..
O mitómano cria uma personagem valorizadora, tomada de outrem ou inspirada nas
suas leituras. E adere a essa ficção com uma tal determinação que consegue
convencer os outros. Atenção, não confundir: o mentiroso compulsivo
mente contra vontade. Por outras palavras, a mentira vem-lhe do fundo da alma,
sem que ele possa controlá-la! Sente-se geralmente culpado. O mitómano, por sua
vez, mente por cálculo e malevolência.
(...) A motivação do mitómano está ligada
à sua estrutura psíquica. Se tem o sentimento de que os outros podem não se
interessar por ele, ou que um parceiro/a é demasiado indiferente às suas
solicitações, o seu objectivo é entao a sedução. Estamos então perante um
neurótico, mais propriamente um histérico. A dimensão de castração é
aqui primordial: o indivíduo tem a impressão de não se poder comparar ao pai
- no caso de ser um homem - a mentira permite-lhe parecer
ultrapassá-lo.
Quanto ao perverso, experimenta grande
prazer em enganar o outro - isso conforta o seu sentimento de omnipotência: ele
não reconhece o valor e a sensibilidade próprias do outro; em vez disso, procura
exercer sobre ele um poder, uma influência, com o fim de o aniquilar. Ele sabe
que a confiança desarma, que a crença é sinal de amor; a adesão que suscita,
para ele não é mais do que um engodo, um meio de sedução. Obtém igualmente uma
satisfação secreta na confissão da sua impostura e no ver o outro sentir-se
ridículo, infeliz, enganado face a essa revelação.
As relações humanas baseiam-se na
sinceridade: temos necessidade de acreditar no outro, não podemos estar sempre à
defesa. Em consequência, a decepção perante uma mitomania revelada pode ser
perturbadora.
(...)Para convencer melhor os outros, os
mitómanos devem acreditar sinceramente nas histórias que contam e na personagem
que inventam. Mesmo que no princípio isso não aconteça, acabam por ficar presos
no seu próprio jogo. Podem, igualmente, funcionar por clivagem: vivem com esta
mentira sem nela acreditar verdadeiramente; porém, no seu foro íntimo, estes
diversos aspectos de si mesmos coabitam de forma assaz harmoniosa. O mitómano
adopta a personalidade de uma outra pessoa porque não se sente verdadeiramente
satisfeito com aquilo que é. Precisa de se aproximar do seu eu ideal,
construindo para si uma personalidade melhor, mais prestigiosa."
Pequeno Tratado das Perversões
Morais
Alberto Eiguer
(1997)


5 comentários:

Anónimo disse...

«As relações humanas baseiam-se na
sinceridade: temos necessidade de acreditar no outro, não podemos estar sempre à defesa. Em consequência, a decepção perante uma mitomania revelada pode ser
perturbadora.»

Andamos todos à deriva. Enganadores e enganados.
Sempre que achei que ninguém é apenas mau. Nem os mitómanos o serão. Há sempre aspectos das pessoas que podemos não conhecer mas que existem e que se revelam perante outros, facetas de valor que curiosamente permanecem na sombra quando essas pessoas estão connosco.
É esta convicção de que não existe nada completamento preto ou completamente branco, é esta crença na existência de um vasto leque de cinzentos e de muitas outras matizes coloridas que me leva a manter sempre a porta aberta a quem já me magoou, desde que se disponha a mostrar o outro lado. A tentativa de perceber o outro é para mim automática. Inevitável.
Ao fazê-lo, infelizmente tento não entregar a mesma confiança. Mas se calhar falho na tentativa.
Infelizmente essa porta aberta, ultimamente, acaba por ser fechada pela ausência. Infelizmente quando não é a ausência que magoa acaba por ser a presença.
Às vezes, só às vezes, consigo ser inteligente e sou eu que fecho a porta. Tudo depende do valor que as pessoas têm e do valor relativo que me estou a atribuir nesse momento.
Gostava de me atribuir mais frequentemente um valor relativo mais elevado e fechar a porta mais vezes...
Não é fácil. Para ninguém. Talvez os ignorantes saibam a fórmula mágica da vida fácil... ou talvez não.
Andamos todos à deriva.

Anónimo disse...

«Sempre que achei que ninguém é apenas mau»

à uns tempos concordaria contigo... hoje em dia, já coloco as minhas reticências. penso que de facto há gente verdadeiramente má. por outro lado, creio que essas felizmente são extremamente raras. que a regra é como dizes, nem bons não maus.. normais. aliás há quem diga (gente que percebe dessas coisas) que na generalidade a maior parte dos actos "maus" são praticados por pessoas normais que estão convencidas que estão a fazer bem, com a melhor das intenções...
isso faz com que o acto seja mau, mas a intenção (pelo menos para mim) é que define se a pessoa é má ou não...

por outro lado... creio que rara será a pessoa que possa afirmar que nunca mentiu, nem que seja para poupar alguem que lhe é importante, na melhor das intenções... é certo? é errado? se é devo dizer que já errei umas quantas vezes...

eu não consideraria um mitomano mau... apenas doente... um desvio de personalidade que seria necessário tratar.

TheVanilla, estou contigo numa coisa. hoje em dia, quando conheço alguem tento me proteger, e a minha confiança vai sendo entregue em suaves prestações;), e infelizmente, aprendi que mesmo quando temos todas as razões para entregar a nossa confiança nesse dia, e estamos totalmente certos ao faze-lo, não quer dizer que no dia seguinte, ou dali a dez anos a pessoa em questão não mude, e afinal... já não mereçe confiança... não há certezas... até conosco mesmo, quem diz que daqui a dez anos a vida não nos terá tornado em gente amarga e indigna de confiança? ninguem pode afirmar... nem mesmo nós... mas podemos tentar...

e sejamos francos conosco mesmos... somos humanos, na generalidade colocamos os nossos interesses á frente dos outros... é apenas humano e em ultima análise temos todo o direito em o fazer... resumindo, por mais cuidado que tomemos a desilusão é inevitável...
por outro lado, pelo menos para mim, eu pago essa desilusão (até certo ponto) para ter o prazer de confiar em alguem nem que seja naquele momento...
mas doi...
mas as lágrimas lavam, e normalmente há sempre um ombro amigo... quando deixamos que ele exista... os amigos dependem de nós para serem amigos

Anónimo disse...

O amor, no seu conjunto, não se reduz à emoção nem ao sentimento, que não são senão alguns dos seus componentes. Um elemento mais profundo, e de longe o mais essencial de todos, é a vontade, que tem o papel de modelar o amor no homem. Na amizade - ao contrário do que sucede na simpatia - a participação da vontade é decisiva.
(Karol Wojtyla - Amor e Responsabilidade)

Anónimo disse...

arghsssssssss!!!!!
As minhas humildes desculpas pelo erro ortográfico que ainda por cima foi realçado pelo senhor Bow.

«Sempre achei que ninguém é apenas mau.»
assim sim, está bem escrito.

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Racionalmente, há tantas razões para acreditar nos outros como para descrer deles. Mas confiar demais é preferível a desconfiar demais.